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Simone Tebet

Observei Soraya subir as escadas e logo desparecer de minha vista ao virar em um dos corredores. Suspirei e toquei o curativo no canto de meus lábios ao mesmo tempo em que tentava entender sua ação inesperada.

Balancei a cabeça para o lado inúmeras vezes até senti-la dar indícios de dor, foi o exato momento em que a campainha tocou me fazendo esquecer aquilo e seguir até a porta abrindo-a e dando de cara com algo inesperado.

- Ora ora, o que temos aqui! - Murmurei sarcástica encarando o homem trêmulo à minha frente.

- P-Preciso falar com você. - Disse com seu queixo batendo.

Dei espaço para o mesmo entrar e segui até meu escritório sendo seguida por ele. Assim que adentramos o cômodo, dei a volta na mesa e sentei-me em minha cadeira de couro cruzando os braços o encarando com frieza.

- Eu estou extremamente cansada e estaria dormindo se não fosse você me atrapalhando, então acho bom que o motivo seja algo importante. - Ameaço.

Hesitante, ele se sentou em uma das cadeiras disponíveis à minha frente e abriu a boca repetidas vezes até que finlamente um som saísse.

- C-Como está a minha filha? - Eu ri debochada com sua pergunta.

- Vou lhe dar mais uma chance para perguntar o que você realmente quer perguntar, Antônio. - Lhe digo, rodando uma caneta em minha mão.

- E-eu... eu queria... queria saber sobre o pagamento... que eu deveria receber por Soraya... - Falou movimentando exageradamente as mãos.

- Ah então é esse seu interesse... dinheiro. Não sua filha. Não a garota que possui seu gene. Dinheiro é a única coisa que lhe importa, certo?

- B-Bom... - O cortei.

- O dinheiro vai chegar em suas mãos quando eu bem entender. Se mais uma vez vier até mim com a cara de pau de perguntar pelo dinheiro da venda da sua filha eu juro que te mato sem nem pensar duas vezes. Estamos entendidos? - Perguntei, segurando a imensa raiva que se apossava de mim.

- S-sim senhora. - Balançou a cabeça inúmeras vezes em sinal positivo.

- O casamento está agendado para a próxima semana. Não quero mais ninguém aqui além dos irmãos de Soraya, sua mãe e meus irmãos.

- Mas eu sou o pai! - Rebateu incrédulo.

- Está reclamando? - Estreitei os olhos.

- Não Senhora, mas...

- Precisarei falar mais uma vez ou será necessário que eu faça um buraco no seu ouvido para me escutar e obedecer? - Perguntei irritada.

O homem arregalou os olhos a negou repetidas vezes engolindo seco e se encolhendo cada vez em que eu disparava um olhar fulminante em sua direção.

- Eu poderia te matar agora só por gastar o meu precioso tempo, mas vou deixar isso para Soraya fazer no futuro. Agora some da minha frente e nunca mais apareça me procurando. - Rosno e o vejo passar pela porta rapidamente.

Reviro os olhos e me levanto, saindo do escritório e seguindo até meu quarto para descansar pelo restante de tempo que ainda me restava. Antes de dormir, precisava assinar alguns papéis decorrentes do casamento, aquilo iria me dar uma dor de cabeça do caralho, acreditem quando digo que isso não é algo que me deixa feliz. Casar com Soraya nunca foi uma opção, mas para mante-la sob minha custódia tenho que criar algum vínculo com ela, então me restou uma última saída, o casamento.

Esfreguei minhas pálpebras tentando afastar o cansaço assim que assinei o último documento necessário. Pretendia tirar o dia livre amanhã, claro que apenas se ninguém resolver interromper meus planos. Então resolvi todas as coisas pendentes hoje para me manter livre de tarefas amanhã.

Saí do escritório apagando a luz e seguindo para meu quarto. Durante meu curtíssimo trajeto até o cômodo desejado, meu corpo freou automaticamente assim que passei pelo quarto de Soraya e ouvi soluços abafados. Estava chorando. Praguejando xingamentos direcionados à mim mesma me aproximei da pequena brecha que havia na porta e observei seu corpo encolhido no canto do quarto. Um lençol branco a cobria por conta do frio e as lágrimas brilhavam sobre a luz da lua vinda da janela. Seus olhos estavam marcados e baixos, sua mão estava pressionada sobre seu peito como se estivesse tentando estancar qualquer resquício de dor que seu coração carregava. Decidi não interferir, não fará muita diferença, até corre o risco dela chorar ainda mais.

Pobre garotinha inocente... Ainda não se acostumou com sua nova vida e nem está disposta à isso, o que complica ainda mais as coisas. Não sinto um resquício de pena ou culpa, nada. Fiz o certo e manterei essa afirmação até o dia em que eu mesma me prove do contrário, o que nunca irá acontecer se depender de mim.

Amo a dor. Ela é um sentimento necessário e indispensável. Só ela vai fazer você perceber e enxergar de forma realista as coisas à sua volta. Um sentimento tão poderoso e nenhum pouco piedoso, assim como eu. Minha inspiração, a responsável por me fazer quem sou hoje, uma mulher realista, independente, forte, poderosa, impiedosa, controladora, e principalmente, sexy.

Tudo isso fruto do meu esforço e bom proveito do sentimento que carreguei comigo por boa parte da minha vida.
A dor. E acreditem se quiser, é tudo bem melhor quando se é enxergado com os olhos negativos, sem aquela baboseira de ser positivo ou de sempre esperar o melhor de todo mundo. Na maioria das vezes tenho que dar um tapa (ou talvez alguns tiros) na cara para as pessoas acordarem e pararem de ficar sonhando acordado como se tudo fosse mudar por causa da querida esperança. A única vez que provei desse tão falado sentimento foi quando vi meu pai desacordado em uma maca de hospital com uma bala alojada no peito ensanguentado. Tive esperança de que ele iria se curar e voltaria para nós. Tive esperança para aguentar firme e acreditar que tudo daria certo. Mas não deu. Eu me decepcionei e percebi que a esperança era algo estupidamente idiota.

Lembro de ser a única entre meus irmãos que não chorou com a ida de papai. Precisei ser forte e engolir qualquer resquício de tristeza para conseguir dar apoio aos meus irmãos e à mamãe, se não fosse eu, quem faria isso? Porém houve consequências, foram anos e anos carregando um aperto no peito e segurando as lágrimas todas as vezes em que lembrava de nossos momentos juntos. Naquela tarde, assim que saímos da funeraria fiz uma pergunta inesperada para mamãe...

- Por que as pessoas boas tem que morrer?

- Oh querida... Quando está em um jardim, quais flores você vai colher?

- As mais bonitas... - Sussurrei sentindo meus olhos pinicarem.

- Essa é a vida, Simone.

Não julgo quem carrega a esperança consigo, deve ter seus motivos. Talvez tenha funcionado com ela. Mas comigo não funcionou, por isso aprendi a superar qualquer coisa o mais rápido possivel sem remorso ou tristeza, aprendi a não passar anos e anos deixando a culpa me corroer. Que se dane, já aconteceu, não tem porquê voltar atrás.

Passado é passado, assim como morrer é morrer, um caminho sem volta e sem escolha.

...

A Chefe Da Máfia Onde histórias criam vida. Descubra agora