Capítulo 5

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Acordo completamente desanimada para sair da cama depois do que houve ontem. O meu trauma voltou com tudo e eu me senti naquele mesmo quarto escuro novamente. Parecia tão real, até sentir o cobertor me cobrir e eu voltar a realidade. Felipe saiu sem olhar para trás ou dizer qualquer coisa. Aproveitei para me arrumar e dormir, encolhida. Agora estou com a maior dor nas costas e com os olhos inchados. Troco de roupa e abro a porta aos poucos. Não encontrando ninguém no corredor, vou direto para o banheiro e lavo meu rosto, colocando um pouco de maquiagem para disfarçar o inchaço. Ao sair, sinto um cheiro doce e vou devagar até a cozinha, vendo Felipe sentado, encarando a pequena mesa cheia de comida, com um olhar pensativo até perceber minha presença. Sua feição era neutra e misteriosa, como se escondesse o verdadeiro sentimento. Ele se levanta e eu automaticamente me abraço, dando um passo para trás. Me xinguei internamente por isso. Ele puxa o ar alto e limpa a garganta.

- Vai se atrasar para sua tarefa. Coma. Estarei lá fora te esperando. - Avisa e sai de casa sem mais nem menos.

Solto o ar e encaro a mesa com suco de laranja, torradas, geléia, ovos cozidos e frutas.

Ontem eu acabei com toda a comida do meu armário e geladeira. De onde ele arranjou tudo isso?!

Como devagar, mas minha mão não parava de tremer sempre que me lembro de ontem. Respiro fundo pela milésima vez e decido arrumar a cozinha antes de escovar os dentes e sair. Felipe estava encostado na parede, olhando a floresta a nossa frente de forma distraída até eu me aproximar.

- O-o-onde... Você conseguiu... Comida? - Pergunto um pouco baixo e ele dá de ombros.

- Eu fui para o local exato com a ajuda do Senhor Bigode com o ouro que ainda tinha no bolso.

- Ouro? - Pergunto estranhando e ele pega no bolso de sua calça um pequeno saquinho marrom de couro e abre, derrubando em sua mão algumas moedas bem brilhantes. Arregalo os olhos e o encaro.

- Isso é de verdade?

Ele levanta a sobrancelha.

- Alguma vez eu menti para você? - Pergunta de forma irônica e eu abri a boca, mas o mesmo me cortou.

- Mas não precisei nem tocar na sacola de dinheiro. Eles simplesmente disseram que não precisava pagar.

Estranhei e dei um passo para trás, observando seu jeito. Além de grande, Felipe mostrava uma grande cara de malvado, além da espada negra em sua cintura. Com certeza o padeiro achou que ele era um assassino ou algo assim e decidiu não cobrá-lo. Coloco a mão no rosto e suspiro decepcionada. Preciso aparecer lá mais tarde para pagar tudo e explicar a situação antes que fique mais estranha.

- Enfim, vamos?

Confirmo com a cabeça e fomos até a cidade. O dia parecia mais animado, como ontem. Penso em como distrair as crianças hoje e lembro que todos gostam de sorvete. Sorri ao imaginar isso e paro em uma loja perto do Antiquário de William.

- Porque parou aqui? - Pergunta e eu sorri.

- Vai ver. - encaro sua espada. - Mas vai ter que deixar isso aqui hoje!

Falo séria e ele ri sem força.

- Até parece.

Retruca e sai do fusca. Reviro os olhos e sai do bebê antes de ir até o mercado e comprar gelo, suco e coberturas doces.

-O que é tudo isso? - Pergunta curioso e eu ri.

- Verá. – respondo e pego o grande saco de gelo com força. Ao pegá-lo, vejo mais três sacos que comprei e queria chorar de vergonha. Engoli o orgulho e encarei o loiro. – Felipe... Você...

- Não precisa dizer. - Me corta e pega os outros dois sacos como se fosse dois travesseiros. Pega o saco na minha mão e joga todos em seu ombro.

- Pegue as sacolas e vamos antes que eles derretam.

Confirmo com a cabeça e sinto meu rosto quente. A moça da caixa, que viu tudo, estava com a boca aberta. Peguei a sacola com ela e a mesma aproveitou para sussurrar.

- Seu namorado é bem forte. - Fala com as bochechas vermelhas e encara Felipe com um pequeno sorriso.

- E-ele...

- Vamos, Cassia. As crianças estão esperando.

Fala firme e a moça abre a boca mais ainda. Vejo um pequeno brilho em seus olhos e percebi que, depois dessa frase, qualquer coisa que eu falar ela pode não acreditar. Sorri desconcertada e decidi deixá-la em seu mundo imaginário.

Lembro que eu era assim há um tempo atrás. Uma garota cega com um romance idiota. Saio de meus pensamentos ao bater o rosto em suas costas. Me afasto e ele vira.

- Me escutou, mulher? - Pergunta parecendo bravo e esfrego meu nariz enquanto o encaro.

- Desculpa. O que foi?

- William está te chamando. - Fala e dá passagem, mostrando que estávamos perto do antiquário. O senhor de cabelos loiros claros, quase brancos, sorri para mim e me aproximo.

- Bom dia, querida. Já vai para o orfanato?

Sorri e ele ri fraco.

- Certo. Acredito que fará doce para as crianças.

- Sim. Mas posso ajudar em algo, caso queira.

Ele sorriu.

- Você é tão atenta e carinhosa. Mas não precisa. Pode ir. Apenas queria conferir se você estava bem.

- Como todo dia. – Falo e acaricio seus cabelos macios. – Obrigada, Will.

Beijo sua bochecha e parto para o orfanato, mas paro ao não sentir a forte presença de Felipe comigo. Viro e o encontro conversando com William de forma baixa antes de balançar a cabeça e voltar a me seguir.

- Tudo bem? - Pergunto um pouco baixo e ele confirma.

- Deixarei o gelo com você e voltarei para conversar com o velho.

- Ok.

Apenas confirmo e o mesmo deixa os sacos de gelo na cozinha, dando bom dia para todas as funcionárias que estavam no local e saindo sem aviso prévio.

- Ah, Cássia. Seu noivo é tão lindo.

- E aqueles olhos? Parecem mágicos!

As funcionárias elogiavam o moço e eu apenas sorria torto antes de dar uma desculpa e acordar as crianças. Demos café da manhã e comecei a limpar e arrumar os quartos enquanto ouvia música. A melhor forma de deixar o tempo passar mais rápido.

Quando me distraio com a música, finalizo a organização dos dois andares de quarto do orfanato até ver os gêmeos parados na entrada, me assustando. Ao tirar os fones, agachei e ri.

- Vocês me assustaram. Está tudo bem?

- Cadê o Felipe? - Perguntam juntos e suspiro.

- Está com o velho.

- Mas ele virá hoje? - Perguntam e, pela primeira vez, vejo os gêmeos quererem ver alguém.

- Gostaram tanto daquele cara estranho? - Pergunto assustada e eles sorriram, como se fossem assassinos, na qual era assustador para pessoas comuns, mas para mim já era algo normal, pois esse era o jeito deles.

- Sim. - Falaram de forma sombria e ri, acariciando os dois.

- Vamos ver o que acontece depois do almoço, pode ser?

Eles confirmam e voltam a brincar. Sorri ao perceber que Felipe conseguiu dois fãs. Encaro minha mão e me lembro de seu olhar na noite anterior. Felipe, por um segundo, parecia com ele.

Fecho os olhos e tento, mais um dia, não deixar o meu passado estragar o meu presente. 

Sua realeza, a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora