Capítulo 28

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Senti meu coração acelerar ao ver meus pais naquela sala fria e impessoal. Eles se aproximaram com expressões confusas e arrependidas, mas meu corpo reagiu instintivamente, recuando, ainda temerosa das marcas físicas e emocionais que eles haviam deixado.

— Oi, filha. — O meu pai me olhou e depois para o policial. — Você pode nos deixar sozinhos com ela? Nós não vamos machucá-la.

Meu pai pediu.

— Não, senhor. — Ele negou.

— Não tem problema. — Olhei para o policial. — Se eu me sentir ameaçada, eu chamo você. Por favor, nos dê um pouco de privacidade.

Pedi também e o policial respirou fundo.

— Vou ficar na porta. Não hesite em me chamar. — Ele marchou até a porta e fechou a mesma.

— Lily, querida. — A minha mãe pigarreou e veio até mim. — Eu sinto muito pelo que eu fiz. Você não sabe como a mamãe está arrependida de tudo o que aconteceu. Segura a minha mão, Lily.

Ela estendeu a mão para mim, mas eu neguei.

— A gente entende. — O meu pai sorriu e eu desviei o olhar do dele. — A gente te ama, Lily.

Ele sussurrou e eu balancei a cabeça.

— Você me bateu. — Murmurei. — Isso não é amor.

Eles não te amam, Lily. Não cai nessa.

— Eu sei, eu sei. Eu me descontrolei e acabei descontando na pessoa que eu mais amo na minha vida. — Ele parecia agoniado e eu finalmente olhei para ele. — Eu e a sua mãe conversamos, Lily. Nós podemos tentar reconstruir a nossa família, sabia? Eu e ela entraríamos na terapia e lutaríamos para sermos melhores para você. Você merece essa nossa rendenção.

A minha mãe assentiu em concordância.

— Mas para isso nós precisaríamos sair na cadeia. — Ela me encarou. — E precisamos da sua ajuda para isso. Precisamos que você negue.

O seu olhar implorou e eu fiquei em silêncio.

— Nega, filha. — O meu pai clamou. — Ajuda a gente a conseguir um advogado e nega a denúncia. Vamos reconstruir a nossa família.

Ele sorriu de novo.

A medida que meus pais imploravam para que eu negasse as acusações, uma mistura intensa de emoções tomava conta de mim.

A necessidade de pertencimento, o anseio por uma família íntegra, ecoavam dentro de mim, criando uma teia complexa de sentimentos. A vulnerabilidade deles, ou pelo menos a ilusão disso, tocava pontos sensíveis em meu coração.

Ao mesmo tempo, uma sensação de ceticismo e desconfiança crescia em meu interior. A dor física em meus braços, testemunha muda da violência que sofri, sussurrava verdades que a manipulação tentava encobrir.

Eu me debatia entre a tentação de aceitar as desculpas e a necessidade de confrontar a realidade dolorosa que me cercava.

De repente, o meu pai, em um gesto de desespero, se ajoelhou diante de mim e eu arregalei os olhos.

— Lily, não destrói a gente. Essa denúncia vai acabar com a nossa vida e eu sei que não é isso o que você quer. — Ele implorou angustiado.

Minha mãe, seguindo o seu exemplo, também ajoelhou.

— Não abandona a gente, filha. — Ela tentou beijar o meu pé, mas eu me afastei.

É um pesadelo. Você vai acordar, Lily.

A atmosfera sufocante da sala parecia pesar sobre meus ombros, uma tentativa desesperada de arrancar qualquer vestígio de compaixão que ainda pudesse existir em mim.

Com a frieza de um iceberg, observei meus pais ajoelharem, as palavras de súplica dançando no ar como fantasmas de um passado que eu queria esquecer.

— Levantem. — Murmurei com uma calma forjada.

Encostei-me à parede fria, meu rosto pressionado contra a solidez que oferecia uma sensação de estabilidade em meio ao caos emocional. Minhas mãos tremiam ligeiramente, uma resposta involuntária à agonia psicológica que pairava no ar.

Sentia-me à beira do abismo, uma encruzilhada entre o perdão e a resistência, enquanto o peso do passado se tornava quase insuportável.

— A gente pode te provar. — O meu pai suplicou.

— Levantem, porra. — Repeti, controlando a onda de sentimentos conflitantes que ameaçava me envolver.

Cada palavra deles era como uma gota de ácido, corroendo minhas defesas, mas eu resistia.

— Me dá uma chance. — A minha mãe cruzou as mãos.

Minhas mãos subiram instintivamente até meu rosto, um gesto para esconder a vulnerabilidade que eu não queria que eles vissem.

— Levantem! — Gritei, minha voz mais firme do que eu mesmo esperava.

Meus pais obedeceram, erguendo-se do chão como figuras penitentes em um ritual de redenção. Seus olhares cruzaram-se em um silencioso entendimento, compartilhando a ansiedade por uma resposta que eu estava relutante em fornecer.

— Posso te dar um abraço, Lily? — A minha mãe perguntou.

Instintivamente, dei um passo para trás, como se o mero contato físico pudesse reabrir feridas profundas.

— Cruel, não é? — A minha voz soou cortante no silêncio tenso da sala. — É doentio, na verdade, você pensar que um abraço pode consertar o que vocês quebraram.

Minha rejeição, como um escudo, me protegia de uma vulnerabilidade que eu não podia mais suportar.

— Olha só para você, Lily. Tão sozinha no mundo. Uma menina que merece amor. — A voz do meu pai, agora suave, ecoou na sala.

Um arrepio percorreu minha espinha e involuntariamente, tremi. Fechei os olhos por um breve momento, tentando bloquear as palavras dele.

O eco das palavras dele, uma insinuação venenosa de compaixão, ressoava no silêncio da sala. Contudo, me mantive firme, resistindo à tentação de me deixar envolver por uma manipulação que, de alguma forma, ainda conseguia atingir minha essência mais vulnerável.

Num gesto inesperado, minha mãe avançou e me envolveu em um abraço apertado. Fiquei chocada por um instante, tentando me afastar, mas seus braços se fecharam ao meu redor, me prendendo em uma prisão de afeto.

Ao invés de conforto, aquelas mãos que antes causavam dor, agora traziam uma carga pesada de culpa e responsabilidade.

Enquanto ela me segurava, me senti aprisionada na dualidade de um abraço que deveria aliviar, mas que, na realidade, intensificava o fardo que eu carregava.

— Me solta, mãe. — Pedi com voz áspera, uma lágrima carregada de raiva escorrendo pelo meu rosto.

A cada segundo que eu permanecia naquele abraço, a sensação de sufocamento aumentava e a necessidade de escapar tornava-se mais urgente.

— Perdão. — Ela se afastou e voltou a ficar do lado do meu pai, ambos segurando a mão um do outro.

Com a mente em tumulto, desabei na cadeira central, socando com frustração a mesa diante de mim. Cada golpe ressoava como um eco das emoções em conflito, uma dança caótica entre o desejo de proteger minha integridade e o anseio por uma família que parecia desmoronar diante dos meus olhos.

Enquanto meus punhos encontravam resistência na madeira fria da mesa, eu refletia sobre as escolhas que se desenrolavam diante de mim.

— Eu vou ajudar vocês. — Finalmente olhei para eles. — Vou tentar achar um advogado bom.

Enquanto eles sorriam, tentando transmitir alívio, meu rosto permanecia uma máscara fria, escondendo a tempestade de sentimentos que se agitava dentro de mim.

Só me restava pedir ajuda a única pessoa que até agora não traiu a minha confiança.

Luke Martinez.

CORDAS DO CORAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora