Estava igual um zumbi, me encarando no reflexo do espelho.
Vestido preto, rosto limpo, cabelo amarrado e olheiras que manchavam os meus olhos azuis. Que merda.
Cada quilômetro percorrido até a capela parecia uma jornada interna, um misto de emoções que oscilavam entre o peso do passado e a busca por encerramento.
O carro seguia adiante, cortando a paisagem com a inevitabilidade desse momento.
Ao chegar na capela, uma calmaria estranha pairava no ar, talvez o prenúncio da tempestade emocional que se desenhava.
Estacionei o carro, encarando a fachada da capela com uma tensão contida. A ausência de pessoas nesse instante inicial amplificava o silêncio que preenchia o ambiente, um silêncio que ecoava as complexas emoções que habitavam meu interior.
Ninguém chegou ainda. Que estranho.
Adentrei a capela com uma seriedade solene, ciente de que aquele momento selaria o fim de uma conexão turbulenta.
Meus olhos percorreram os caixões e uma única lágrima traiçoeira escapou de meu olhar, testemunhando a visão chocante diante de mim.
Os corpos, outrora imponentes, agora eram sombras distorcidas pela voracidade do fogo.
A pele, carbonizada e fragilizada, revelava a brutalidade da tragédia que os envolveu. O crânio, com a boca entreaberta em um pedido mudo de socorro, contava uma história de agonia indizível.
O cheiro da queimadura impregnava o ar, uma recordação pungente da violência do destino que os alcançou.
Minha expressão permanecia séria, compenetrada, diante da complexidade dos sentimentos que aquela imagem evocava.
Uma única lágrima marcou o meu rosto, testemunha silenciosa do luto que, de alguma forma, ainda pulsava em meu coração.
Sentei-me solitária em uma das cadeiras da capela, meu olhar percorrendo o ambiente enquanto aguardava a chegada das pessoas.
O silêncio pairava pesado, interrompido apenas pelo eco sutil dos meus próprios pensamentos.
— Senhorita Lily Miller? — Vi um homem entrando na capela e olhei para ele assustada. — Sinto muito, sou o coveiro do cemitério. Você nos informou que queria uma cerimônia curta e já está dando o horário do sepultamento, senhorita.
Respirei fundo e olhei para o meu celular, que estava sem sinal.
— Eu sei, mas tenho que esperar o resto da família para se despedir deles. Os meus tios, meus primos, enfim. — Dei um pequeno sorriso, disposta a convencê-lo.
— Entendo. — Ele começou a sair da capela, mas se virou para mim de novo. — Você tem certeza de que eles vem?
A pergunta me deixou surpresa.
— Claro que vem. Eles são família. — Assenti.
— Família não é só sangue, mas também laços. — Ele olhou firmemente para mim. — Eu li as notícias.
Balancei a cabeça, irritada.
— Você poderia cuidar da sua vida. — Passei a mão no rosto. — Em breve eles chegarão, tá?
Falei, já sem tanta certeza.
Senti o seu olhar de pena recaindo sobre mim, como se soubesse que eles não viriam. Ele sabia que eu estava me iludindo.
Ninguém viria. Eu fui a única. Ninguém perdoou.
— Isso já aconteceu antes? — Perguntei.
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CORDAS DO CORAÇÃO
RomanceNo palco, Luke é um guitarrista que conquistou o coração do mundo com suas melodias. Nos bastidores, ele é apenas um homem em busca de algo mais profundo na vida. Lily, por outro lado, é uma mulher comum, distante do glamour do mundo das celebridade...