A carta de ninguém

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"A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro."
Herbert Spencer

"Às vezes, nossa vida é colocada de cabeça para baixo, para que possamos aprender a viver de cabeça para cima."
Max Weber

Parte II

A chuva ainda caía ao meu redor, misturando-se com as lágrimas que escorriam descontroladamente. Mantinha os olhos fechados, implorando para que tudo o que aconteceu não passasse de uma alucinação da minha cabeça. Mas não. Tudo realmente aconteceu, e agora, Jinx descobrira sobre a verdade.

Estava sentada na calçada da rua, a cabeça entre os joelhos. Eu me sentia um lixo, a peça descartável de um quebra-cabeça, a qual, agora, fora jogada para escanteio. Estava pensando na melhor maneira de me enterrar em algum lugar, sumir e voltar somente quando eu tivesse coragem o suficiente para procurar Jinx. Então minha ficha caiu.
Mesmo que Jinx me perdoasse; mesmo que reatássemos e passássemos a ser como era antes, iria ser em vão.
Meus dias em Piltover estavam contados. Uma vez que viemos com o intuito de participar do Dia do Progresso, e ele havia terminado, o que nos mantinha aqui eram as parcerias estúpidas. Mas agora, com o plano dos Poingdestre finalmente em prática, não haveria mais parceria, e consequentemente, não teria motivo importante o suficiente para continuarmos aqui.

Passei a manhã inteira tentando falar isso para Jinx. Mas ela estava animada, feliz; e só de imaginar seu olhar de tristeza para mim, doía. Então a notícia que Zeri estava no hospital chegou em nós. Não somente a notícia de que eu voltaria para Demacia me assustava. Agora, a notícia de que era eu quem contara sobre a investigação tornara a me assombrar.

Ouvi uma porta se fechar em algum lugar distante, mas não dei atenção. Estava submersa em arrependimentos e dúvidas. Ao voltar para Demacia, o que eu teria lá, além de tarefas excessivas e cobranças? Amigos haviam, mas não dá mesma maneira que os de Piltover e Zaun. E não havia ela.
Como era possível, em tão pouco tempo, eu me apaixonar de uma maneira tão drástica e ridícula? Era ela, e somente ela, que me prendia aqui. E agora, não havia mais ninguém. Não havia nós, e Jinx deixara isso bem claro ao me chamar de falsa e mentirosa.

Suas palavras atravessaram-me como navalhas. Mas não importava. O que de fato era alentado, era como Jinx se sentia após saber do que fiz. Queria voltar para àquele hospital, buscá-la no meio de todas aquelas pessoas e abraçá-la tão forte, que ela teria de me mandar parar.
Quando esse pensamento me correu na mente, quase deixei escapar uma risada, imaginando-nos nessa situação. Foi quando comecei a ouvir a água estalar em passos na minha direção. Seria alguém vindo perguntar se estava tudo bem? O que eu responderia? Que tinha deixado o amor da minha vida fugir por causa de minhas ações? Ou, por outro lado, diria que minha amante havia descoberto meus segredos? Então os passos cessaram ao meu lado; e não só os passos, mas também a chuva que caía sobre mim.

Então uma voz baixa disse:

— O que você está falando aí?

Uma voz baixa e familiar...

Levantei a cabeça e abri os olhos para confirmar o que meus ouvidos já sabiam. Parada, segurando uma sombrinha acima de ambas de nós, estava Seraphine.

— Seraphine. — exclamei, enxugando as lágrimas.

— Por que você está sentada na calçada? Não está vendo que tá chovendo? Anda, levante-se daí. — ela estende a mão para mim. Aceitei de bom grado e ergui-me ao lado dela.

O Peso da Liberdade: Uma história de Zaun & PiltoverOnde histórias criam vida. Descubra agora