4. Cessar-Punho

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Águas de Sentina era ainda mais sombria ao anoitecer. Sem lua ou postes de luz, era quase impossível andar pelas ruas. Por sorte, Vi checara o mapa outra vez e o tinha mais claro na memória, de modo que fora fácil seguir pelo caminho até a Taverna Barril de Pólvora. Por motivos óbvios, decidiu deixar a bolsa no navio.

Ela entrou, e mais uma vez foi recebida pelo olhar de todos. Ela ignorou cada um, examinando o local em busca da Capitã, que já a aguardava nos fundos do bar, os pés cruzados em cima da mesa, um charuto preso aos lábios, a cabeça livre de chapéu, os cabelos vermelhos e volumosos caindo em ondas pelos ombros, feridas vermelhas da luta daquela tarde espalhadas por seu rosto.

Enquanto Vi se aproximava, um dos fregueses já completamente entorpecido pela bebida lhe jogou comentários sujos e nojentos, que para o bem de todos – e principalmente da missão –, ela decidiu ignorar. Quando parou diante de Miss Fortune, ela ergueu o olhar e sorriu, e num movimento mais rápido do que Vi pôde se dar conta, puxou a pistola do coldre e atirou contra o pirata. Sua posição continuou intacta, como se não tivesse feito esforço algum, e diante do estrondo, todas as vozes se calaram. O corpo do homem caiu com um baque pesado no chão, e a pirata assoprou a fumaça da boca da arma.

Vi se sentiu gelar dos pés à cabeça.

- Mais alguém tem algo a dizer para a minha amiga? – A Capitã perguntou, deixando a pistola pender com leveza em sua mão. Ela olhou ao redor, verificando se todos tinham o olhar baixo diante de sua presença. Quando ninguém respondeu, ela devolveu a pistola ao coldre. – Ótimo. – E indicou com o queixo a cadeira do outro lado da mesa. – Senta aí.

Vi se sentou, sabendo muito bem que a intenção da Capitã não era parecer a amiga boazinha e protetora, e sim, demonstrar que não hesitava em atirar para matar. Se saísse muito da linha, Vi poderia facilmente ser a próxima.

Malditos atiradores, pensou ela.

- Mas que climão. – Disse Vi, do modo mais descontraído que conseguiu. Miss Fortune tragou seu charuto.

- Eu sei, malditos piratas. – Ela o segurou entre os dedos para tirá-lo da boca e soprou a fumaça. – Certo, Seis?

- Certo, Capitã.

A pirata riu.

- Me chame de Miss Fortune.

- Me chame de Vi.

Miss Fortune parecia estar se divertindo. Tinha um rubor nas bochechas indicando que já devia estar bebendo há muito tempo.

- Tô te devendo um pedido de desculpas. – Ela baixou os pés e se inclinou sobre a mesa. – Fiquei curiosa sobre você e o que estava trazendo naquela bolsa, mas não foi nada pessoal.

- Me encontrou bem rápido, eu devo dizer.

- Algumas coisas são mais fáceis quando se tem olhos e ouvidos em todos os cantos. – Miss Fortune sorriu. – Já ouviu algo assim?

Vi sentiu a garganta apertar, imediatamente se lembrando das palavras do barman, e no detalhe de que ele dissera isso antes que a Capitã chegasse à taverna.

- Algo assim.

- Bem, alguns de meus homens viram um rosto novo chegando no cais e trataram de me avisar, eu tive de chegar primeiro. Sabe como é, tenho uma reputação a zelar.

- Achei que tinha acabado de chegar na cidade. – Vi fez um sinal ao barman para que se aproximasse com uma bebida, e se curvou sobre a mesa também. – Mentiu sobre isso também?

Como se Vi fosse a mais verdadeira entre elas.

Miss Fortune tombou a cabeça para trás e gargalhou, o charuto pendendo entre os dedos.

Corações de SentinaOnde histórias criam vida. Descubra agora