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Minha avó vive dizendo que um novo ano é como um livro repleto de folhas brancas e que podemos confeccioná-lo do jeito que quisermos. Porém, eu acredito que o livro de nossas vidas já foi escrito.
O protagonista, obviamente é você e os coadjuvantes são as pessoas que fazem parte de sua vida. Como é um livro longo, vários vilões aparecerem, embora nenhum seja tão devastador quanto o próprio destino.
As reviravoltas estão contidas nos pequenos detalhes que tornam a vida tão especial e nos "se" que transformamos em certeza quando aceitamos as oportunidades. Por exemplo: meus pais se conheceram numa festa de aniversário de uma garota que estudava no colégio da mamãe e que era a irmã mais nova do melhor amigo do meu pai. Imagina se algo tivesse dado errado e eles não se conhecessem? Bom, eu acho que não estaria escrevendo essas coisas sem sentido para você.

Observo o dia ensolarado de Nova York pela pequena janela do meu escritório. Hoje seria um dia perfeito para acordar bem cedo e correr no Central Park com a Grace, que faz isso quando não tem compromissos com a universidade de manhã.
"Do que adianta morar em Nova York se não podemos aproveitá-la?" - ela vive me dizendo quando quer que eu a acompanhe em algum lugar. Talvez ela tenha razão, afinal, eu não tenho feito muita coisa além de trabalhar como escrava para o Darcy desde que ele assumiu o cargo do pai na empresa.
Ok, talvez eu tenha sido equivocada ao dizer "trabalho escravo", pois não posso reclamar do meu salário. Mas puxa, hoje é um daqueles dias que eu gostaria de estar passeando pela cidade ao invés de pensar no fato de o Darcy ser um filho da puta mal agradecido.

O telefone toca - reviro meus olhos ao reconhecer o número do escritório do meu chefe.
- Bom dia, senhor Darcy.
- Senhorita Fischer, gostaria que você viesse ao meu escritório agora.
E desliga.
Eu apenas coloco o fone no gancho e levanto-me, ajeito minha saia lápis de cor preta e passo a mão pelo couro cabeludo, certificando-me de que não há nenhum fio fora do lugar. Não estou fazendo isso para ver o Darcy e sim porque gosto de parecer apresentável a todos, ok? Minha mãe sempre dizia que uma boa funcionária não deve saber apenas o que apresenta, mas também como se apresenta.
Então, me levanto e vou ao encontro do Darcy.
Bato no porta com meu ótimo humor antes de vê-lo e escuto um "entra" em tom imperativo. Coloco a mão na maçaneta e abro a porta devagarzinho para observar sua expressão.
Sei distinguir os dias em que o Darcy está menos maquiavélico e os dias em que ele pode me matar a qualquer momento. Pelo rosto inexpressivo, percebi que hoje é um dos dias do primeiro item.

Darcy está com os olhos fixos no computador.
Acompanho a camisa azul-bebê recaindo perfeitamente sobre seus ombros largos até a manga dobrada no cotovelo. Ele segura uma caneca de café preta com o nome da empresa e me olha sem que eu precise fazê-lo notar minha presença.
Limpo minha garganta.
- Senhor Darcy...
- Senhorita Fischer, neste final de semana irá ocorrer a Convenção de Arquitetura em Miami na qual darei uma palestra sobre a Darcy Group e sua relevância para a construção de uma nova Nova York. É claro que não fui eu quem escolheu o nome, mas o importante é que você foi escalada para ser minha assistente.
Cerro os olhos.
Como assim escalada para ser sua assistente? Desde que eu saiba, o maior acionista e fundador da empresa é o pai do Darcy que atualmente comanda a sede de Los Angeles, então o único que poderia me escalar para missões atípicas do meu estágio seria o Darcy.
Tento não sorrir - não apenas porque ele tentou esconder que me escolheu pessoalmente, mas também porque passar um final de semana em Los Angeles, mesmo que seja a trabalho, seria demais!
- Enviarei o que a senhorita precisa saber por e-mail, mas aviso de antemão que partiremos às dezoito horas na sexta-feira.
Eu assinto.
Então, Darcy me encara por uns segundos como se estivesse criando coragem para dizer alguma coisa. Seus olhos parecem se alimentar da fraqueza humana de tão intimidantes que são, tento não demonstrar medo ou que minha respiração está se elevando.
Como alguém detém o poder de me deixa assim? Durante toda a minha vida, fui ensinada a não temer ninguém e caso isso ocorresse, eu deveria fazer o possível para esconder. Os conselhos do meu pai ecoam volta e meia em minha mente com sua voz rouca e a expressão sincera...
Eu não posso dizer que fui covarde em minha vida. Faço parte daquelas histórias clichês sobre uma menina da cidade pequena que abandona tudo para seguir seus sonhos. Eu sonhava em ser uma grande empresária, trabalhar com estáticas, viajar pelo mundo a procura dos lugares que papai tanto dizia nos e-mails que me mandava. Eu nunca deixei que ninguém atrapalhasse meus objetivos: meus relacionamentos fracassaram pelo mesmo motivo: eles estavam fartos de serem trocados pelos livros, de todas as amizades que tive, apenas a Grace (que é avoada demais para perceber minha falta de tempo), durou.
E posso dizer com orgulho que não me arrependo de nenhuma das escolhas que fiz.
Mas com o Darcy é diferente.
Ele consegue, apenas com o seu olhar, me transformar em uma garotinha indefesa que deseja fugir do cômodo em que dividimos.
- Senhorita Fischer?
Flexiono meus olhos e balanço a cabeça levemente, despertando-me do devaneio. Aos poucos, a imagem do Darcy sentado em minha frente começa a tomar forma.
Suas sobrancelhas estão baixas e aproximadas, formando uma ruga entre elas e os olhos me encaram com certa... Preocupação! Enrubesço ao constatar que ele esteve me observando durante minha viagem mental.

Flexiono meus olhos e balanço a cabeça levemente, despertando-me do devaneio. Aos poucos, a imagem do Darcy sentado em minha frente começa a tomar forma.
Suas sobrancelhas estão baixas e aproximadas, formando uma ruga entre elas e os olhos me encaram com certa... Preocupação! Enrubesço ao constatar que ele esteve me observando durante minha viagem mental.
- De-desculpe - murmuro- Estava pensando na viagem.
Ok, agora ele pensa que eu estou louca para viajar para Miami.
Darcy me observa mais um pouco e um esboço de sorriso aparece em seus lábios. Sinto meu coração acelerar, porque:
1. É a primeira vez que o vejo sorrindo.
2. Ele está sorrindo, não por minha causa, mas de mim.
- A Abigail pediu que eu entregasse isto para a senhorita - diz, se abaixando para pegar uma sacola e colocando-a na mesa.
Eu cruzo os braços e franzo o cenho novamente.
Posso colocar o dia de hoje na lista dos mais surpreendentes em que trabalho na Darcy Media Group.
- O que é isso?
- Senhorita Fischer, não costumo abrir encomendas dos outros.
Uma parte de mim adora a ironia do Darcy, por mais que eu deteste admitir.
- Mas acho que não é uma planta carnívora para a senhorita ficar com essa expressão.
Ok, arrependo-me do que disse e me aproximo da mesa do Darcy.
Seus olhos observam-me novamente, começando pelo rosto e terminando na saia que estou vestida. Fico vermelha novamente, mas desta vez tento não transparecer.
Seguro a sacola, que por acaso é do Marc Jacobs, indicando-me que aquela "encomenda" não tem nada haver com a empresa (o que seria muito estranho da mesma forma, pois a Abigail não aparenta ser do tipo interessada nos negócios do pai).

Não tiro o presente da sacola ali no escritório, pois provavelmente o Darcy faria uma de suas piadinhas de humor negro. Contudo, percebi que se tratava de uma caixa de sapatos.
Então, recordo que a Abigail vomitou em meus sapatos e que aquele presente provavelmente seria uma gratificação por tê-la ajudado.
Eu olhei meu chefe novamente, formulando uma maneira de dizer que não poderia aceitar aquele presente.
- Senhor, é muito gentil - começo com um sorriso amarelo nos lábios - Mas eu não posso aceitar.
- Fischer, eu não comprei o presente e muito menos perguntei se a senhorita aceitaria.
Olho a sacola pesada em minha mão direita, percebendo que seria inútil dizer qualquer coisa.
Darcy é apontado pelas revistas como "aquele que consegue o que quer" e embora eu já tenho dito tantas vezes o quanto detesto essa espécie de soberania que ele exerce em nosso relacionamento profissional, apenas assinto e agradeço mais uma vez à Abby.
Eu pergunto se ele deseja mais alguma coisa e ele apenas nega com a cabeça.
Curvo-me e volta para a sala.
Abro a sacola e vejo que o sapato é muito parecido com o modelo que eu usava naquele dia. Eu havia conseguido limpar o vômito, mas alguns strass haviam se perdido durante o percurso.
Além de ter uma memória excepcional para observar meus sapatos, julgando o quanto estava bêbada naquele dia, ela teve sorte ao escolher exatamente o meu número. Ligo o computador e procuro o e-mail da Abigail em um dos arquivos da época em que eu estagiava para o pai do Darcy.
Encontro-o e envio um e-mail de agradecimento.

De: Julia Fischer
Para: Abigail Darcy
Enviada: quarta, dia 20.
Assunto: Obrigada!

Prezada Abigail,

Quero agradecê-la pelos sapatos.
São muito parecidos com meu outro par e gostaria de pergunta-la como adivinhou meu número.

Grata,

Julia Fischer.

OS: Realmente não precisava, foi muito gentil de sua parte.

Como suportar Oliver Darcy - COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora