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O Grammys é o restaurante mais próximo da Darcy Media Group, sendo por isso, amplamente frequentado - tanto pelos funcionários da empresa quanto pelos seus visitantes. Michael escolheu uma mesa que desse vista para a rua daquele dia cinzento. Olhei as pessoas passando pela rua, com seus gorros de lã e excesso de roupas para sobreviver a mais um inverno americano. Foi impossível não me recordar de Jennings, minha cidade natal, que passava o ano inteiro em clima de inverno e poucas semanas sem chuva. De lá, veio toda minha coleção de echarpes e cardigãs de linhos - alguns tricotados pela minha avó, outros comprados nas feirinhas destinados aos turistas.

Pela primeira vez em anos, senti vontade de visitar aquele lugar.

Michael estava sentado em minha frente, olhando para os lados como se estivesse ali pela primeira vez. Na festa, eu havia percebido alguns de seus traços, mas com certeza não havia prestado atenção no quanto ele era bonito. Para começar, seus olhos negros são contornados por um par de grossas sobrancelhas de coloração quase tão escura quanto à da pupila e do cabelo praticamente raspado.

Seus lábios são salientes e levemente ressacados pelo inverno, o nariz comprido, mas bonito. Tudo nele remetia ao desleixo, como os dentes amarelados que ele sempre mostrava toda vez que sorria - algo que toma por hábito - e a roupa levemente amassada e mal dobrada. Era notável que ele estaria mais feliz em outro lugar que não fosse uma empresa.

- Há quanto tempo você trabalha na Darcy Media Group? - ele perguntou, apertando suas mãos.

Sua mão é como a de qualquer garoto rico e mimado seria: sem nenhum vestígio de trabalho braçal. Os dedos longos comportam unhas roídas até a carne, como as minhas. Abaixei minha cabeça e funguei, sentindo as narinas ainda congestionadas devido minha crise de adolescente agora há pouco.

- Não quero falar de mim.

- Ótimo, então vamos falar do meu assunto preferido - ele pegou uma batata frita com a mão e engoliu-a de uma vez - Eu.

- Você conhece seus pais verdadeiros? - perguntei-o, pensando que aquele seria o assunto mais longo que eu poderia iniciar para afastar sua curiosidade em relação a mim.

- Não.

- Não tem vontade de conhecê-los?

- Não.

- Posso saber o por quê?

Michael deu uma golada no suco de laranja e fixou seu olhar em mim. Apesar da falsa aura de tranquilidade, percebi que aquele era o tipo de conversa que ele evitava, talvez por já ter escutado a mesma pergunta milhares de vezes ou por simplesmente não ter superado tamanho acontecimento em sua vida.

- Bem... Não recebi uma carta de Hogwarts aos onze anos, Zeus ainda não veio me visitar e tampouco encontrei um irmão gêmeo perdido por aí... Então, me conformei com a ideia de que fui abandonado porque teria uma vida de merda ao lado de meus pais verdadeiros, eles me fizeram um favor - ele sorriu novamente - Você escolhe o que transforma em detalhe e o que transforma em objetivo, minha origem é apenas um detalhe, tenho coisas mais interessantes para fazer.

- Tipo o que?

Eu ainda não havia tocado na lasanha do meu prato. O cheiro me enojava ao invés de atiçar os cinco sentidos e não era porque cheirava mal. Eu simplesmente não estava com fome, mas segurei o garfo e remexi na comida, para ter alguma coisa para fazer. Não que a companhia do Michael não fosse... No mínimo interessante, mas naquele momento eu estava cansada demais para prestar muita atenção em qualquer assunto.

- Tipo, ser seu amigo.

Revirei os olhos e lhe lancei um olhar de descrença.

- Michael, hoje estou cansada para entender as entrelinhas, o que significa que eu não faço a menor ideia do que você viu em mim, mas te garanto: não perca seu tempo.

Ele abriu outro sorriso inteiro.

- Eu sei muito bem o que vi em você, Julia.

- Ah é? Então me diga, eu preciso saber.

- Isso é conversa para os próximos capítulos.

Farta de destruir minha comida, larguei o garfo e ergui minha postura diante a cadeira.

- Não vai ter próximo.

- É sempre bom ter desafios -ele respondeu e engoliu um novo pedaço de carne.

Eu sorri e olhei para a rua novamente, procurando sinal de algum outro nova iorquino desconhecido para que eu pudesse inventar uma história para ele, como costumo fazer quando quero preencher um espaço vazio da minha mente, ou, neste caso, me livrar de alguns pensamentos.

E para minha surpresa, encontrei o Darcy passando pela calçada com o celular no ouvido. De repente, ficou mais frio que antes. Senti a cor desaparecer do rosto e os lábios endurecerem. A ferida - que nem tivera tempo para se cicatrizar - havia sido cutucada por uma agulha muito fina. Não consegui desviar meus olhos, até que ele desaparecesse da minha vista.

Onde ele estava indo? - perguntei a mim mesma - O Darcy não costuma sair naquela hora do dia.

Michael assoviou, chamando minha atenção novamente. Enrubesci quando nossos olhos se encontraram, perguntando-me se ele havia notado minha súbita mudança de humor e o causador dela. Mas o rapaz sorriu e aproximou seu rosto do meu.

- O que aconteceu com você, Fischer?

- Como assim?

- As mulheres bonitas que eu conheço não costumam se esconder atrás de uns óculos e de um rabo de cavalo.

O alívio se instaurou pelo meu corpo quando escutei suas palavras, afinal, por um segundo eu havia pensado que ele se referia a mim e ao Darcy. Então, eu sorri - dessa vez um largo e merecido sorriso.

- Eu não posso ter outras prioridades?

- Beleza e sucesso profissional podem andar junto - ele respondeu - O que me leva a pensar que alguma coisa grave aconteceu em sua vida para abalar sua autoconfiança.

- Você só me viu duas vezes, Palmer.

- E bastou só a primeira para me apaixonar.

Eu soltei uma risada novamente, perguntando-me como alguém conseguia ter todas as respostas mais absurdas na ponta da língua. Ele sorriu e balançou a cabeça, como se tivesse lido meus pensamentos.

Se eu tivesse lido os seus, naquele momento, talvez tivesse levado um pouco mais a sério seu comentário.

Isso é coisa para os próximos capítulos.

E aí, meninas? O Michael está ganhando nossos corações? E o Darcy, tadinho? Bom, ele sabe que vocês podem ser até #teamMichael por enquanto, mas que os seus corações tem dono: Oliver.

Como suportar Oliver Darcy - COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora