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Ellen Dawson me recebeu às 15 horas da penúltima semana de outubro para uma entrevista de trabalho na sede da revista Sensacional, um prédio antigo reformado próximo ao centro da cidade. Tratava-se de uma mulher de rosto esquelético, olhos verdes saltados como se tivesse algum problema de tireoide e cabelo tingindo de ruivo contornando seu rosto. Ela usava um blazer preto e calças largas que juntos acentuavam sua aparência anoréxica.

Havia outras sete garotas ali, sentadas ao meu lado em um sofá acolchoado de couro vermelho, em uma sala que lembrava mais um pub futurístico, com janelas panorâmicas mostrando uma belíssima visão do Central Park e pôsteres de artistas do século XX como Marylin Monroe e James Dean.  No lugar do meu cabelo, havia uma peruca castanha escura tal como o cabelo da Grace, assim como as lentes de contato cor de chocolate que ela me fizera colocar quando pedi sua identidade emprestada.

- Grace Lancaster.

Demorou alguns segundos até que eu percebesse que se tratava de mim.

Eu olhei nos olhos da mulher, que me encarava sob os óculos de meia lua e esbocei um sorriso simpático, encaminhando-me até ela.  Ela retribui o sorriso e fez sinal para que eu a acompanhasse, apertei minha bolsa contra a cintura e fui, sentindo minhas pernas tremerem durante o percurso.

E se ela analisar a foto da identidade e perceber que eu não sou a Grace?  Que vergonha eu passaria quando ela me mandasse sair dali as pressas, sem poder encontrar o tal Wickham e conversar com ele. Seria tudo em vão, tanto esse vestido vermelho vivo apertado demais contra minha cintura, além de apertar meus seios, o cabelo preso sob uma touca que esquentava todo o meu couro cabeludo, a maquiagem em excesso com olhos bem delineados e o batom vermelho vinho.  

Ellen me falou seu nome e me guiou por um corredor com paredes rosa bebê, recheado dos mesmos pôsteres e estátuas de personalidades que um dia levaram as pessoas para casas de shows e inaugurações de outros eventos.  Enfim, nos paramos em uma porta, com seu nome intitulado e sua função logo abaixo.

Ellen abriu a porta e pediu que eu entrasse.  Sua sala era pequena, mas charmosa, com uma parede composta de edições anteriores da revista.

Ela se sentou e pediu que eu fizesse o mesmo.

- Então Grace Lancaster, por que gostaria de trabalhar na Sensacional?

Antes que eu pudesse respondê-la, seu telefone tocou e a mulher fez sinal para que eu esperasse um pedido.  Ela conversou rapidamente com a pessoa do outro lado da linha, sobre coisas relacionadas a sua área que eu entendia tão pouco.  Quando colocou o telefone no gancho novamente, ela sorriu.

- Desculpe-me, desde a matéria do Oliver Darcy o telefone não para de tocar... Toda hora alguém querendo saber um pouco mais sobre a história como se a gente não colocasse tudo que sabemos na revista!

Ela soltou uma gargalhada e eu tentei acompanha-la, formalizando ainda mais minha antipatia.  Ellen Dawson parecia exatamente o tipo de pessoa que ficava horas fofocando sobre a vida alheia com as amigas no telefone, enquanto seu marido lhe trai com as suas secretárias e os filhos aprendem a chamar suas babás de "mãe".

- Onde eu estava? - ela olhou no papel e depois voltou sua atenção para mim - Ah sim, por que a senhorita gostaria de trabalhar para a Sensacional?

Ah meu Deus! Pensei tanto em como conversaria com o Wickham que nem lembrei das perguntas que aquela entrevistadora me faria.  Vejamos... Por que alguém decente trabalharia para uma empresa que lucra com a infelicidade alheia?

- Porque eu amo essa revista desde sempre! - na verdade usei o "sempre" porque não sabia quando ela foi inaugurada - Gosto das matérias, dos colunistas...

Como suportar Oliver Darcy - COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora