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- Quantos dedos você quer cortar, moça?

Olhei-me em frente ao espelho do salão de beleza, analisando a pergunta do cabelereiro como se fosse uma questão filosófica.  

Quando acordei, às sete horas da manhã, decidi que viveria um dia diferente de todos os outros.  Pela primeira vez em muitos anos, eu finalmente me via como uma mulher que apesar de não ter conquistado a independência, estava muito próxima disso.  Mas antes de recomeçar minha busca para o lugar perfeito onde eu irei começar minha futura franquia de sanduíches naturais, eu iria mudar algumas coisas na minha vida.

Para começar, o meu cabelo.  Há quanto tempo eu reclamo do seu volume desnecessário e dos fios rebeldes que insistem em me desafiar quando acordo de manhã?  Peguei o número do salão de beleza que a Grace costuma frequentar e vim até aqui, sem ao menos pensar no que fazer com os meus grandes cachos loiros. 

Coloquei as mãos no queixo e peguei uma mecha do meu cabelo molhado, analisando se o meu rosto ficaria bonito com as mudanças que eu estava prestes a fazer.  O moço - um homem alto com ascendência oriental e cabelos pintados de azul - me encarava com um semblante impaciente.

- Você pode cortar nos ombros?

Ele olhou para o meu reflexo no espelho e fez uma expressão de incredulidade. 

- Desculpe-me, senhorita, mas tem certeza disso?

- Sim.

Ele balançou a cabeça negativamente e tirou uma pequena tesoura do bolso do avental. Como resposta, eu apenas sorri e dei de ombros.  Foi doloroso ver minhas mechas sendo cortadas e depois varridas por uma assistente, mas quando ele terminou e escovou meu cabelo, o resultado foi surpreendente.

Continuei com os mesmo cachos de antes - porém, agora eles estavam no ombro - contribuindo para a aparência de uma verdadeira mulher, ao invés da menina que eu queria deixar para trás.  Uma mulher poderosa, dessas que acorda mais cedo que o normal para conquistar seus sonhos - coisa que eu estava prestes a fazer.

Foi divertido ver a expressão de surpreso do cabelereiro ao ver a finalização de seu trabalho. Ele inclusive pediu para tirar uma foto do resultado, para postar em suas redes sociais. É claro que eu tirei os óculos e sorri, ficando um pouco perdida com a localização da câmera.

Mas fora isso, a foto ficou boa.

Sai do salão com a autoestima nas alturas e até cometi a ousadia de retribuir o sorriso de alguns homens que passavam e olhavam para mim de maneira diferente.  Quando estava prestes a atravessar a rua, mas precisamente o local em que meu carro estava estacionado, encontrei uma lata de lixo e tirei os óculos.

Observei  aquele objeto que foi o meu melhor amigo desde a oitava série, quando descobri que tinha um problema de miopia e astigmatismo.  Eu teria que me acostumar a usar as lentes de contato, certo.  Seguiria as prescrições do médico sobre tirá-las antes de dormir e coloca-las novamente para acordar, certo.  Lavaria as minhas mãos com soro fisiológico e me lembraria de aplicar os produtos para desinfetar minhas novas companheiras.

Ah, que se dane.  Torci os óculos no meio, vendo o plástico se quebrar num barulhinho agudo que mais tarde se transformou em redenção.   Só depois de fazer isso, eu me lembrei de que precisava enxergar para dirigir até o Park Slope.

Droga!

Meu celular tocou e eu o tirei da bolsa, se conseguir ler o nome da pessoa que estava me ligando.  Felizmente era a Grace.

- Boas notícias, Jules...

- Não, primeiro eu preciso te pedir que pegue um táxi e venha me buscar.

- Ué, mas você não saiu de carro?

- Er... Eu perdi meus óculos - joguei o objeto no lixo e olhei para um lado e para o outro na esquina, certificando-me que não havia um carro para atrapalhar minha passagem.

- Ok, mas você vai ter que esperar vinte minutos, estou conhecendo a dona do buffet do meu casamento.

- Ai que droga, mas tudo bem, aproveito e vou tomar um sorvete - como, eu não sabia, visando que não ia enxergar os letreiros de uma sorveteria.

- Mas voltando ao assunto, tenho boas notícias!

- Quais?

- Na verdade é só uma, mas a gente tem costume de colocar as palavras no plural quando vai dizer algo muito importante, será por quê?

- Grace, você está grávida?

- Não, Jules! Desde quando isso seria uma boa notícia faltando cinco meses pro meu casamento?  É que... Você se lembra que estava pensando em procurar algum nutricionista para ser seu sócio no negócio de sanduíches naturais?

- Sim.

- O Brian tem um primo que acabou de se formar em Nutrição em Dalton! Sério, Jules... D-A-L-T-O-N!  Imagina o QI desse cara!

- Por que alguém de Dalton iria querer começar um negócio totalmente incerto?

- Não sei, só sei que você vai conversar com ele e adivinha! O Jesse é um gato, com  um G totalmente maiúsculo.

Eu revirei os olhos e atravessei a rua, ignorando o risco de ser atropelada por um vulto em forma de bicicleta que passava perto de mim.

- Tem como uma palavra não ser totalmente maiúscula ou minúscula? - falei, sorrindo.

- Isso, continue rindo de mim que eu vou te deixar me esperando por duas horas!

Nós discutimos um pouco por telefone, até que eu a fiz desligar sobre a promessa de que viria me buscar assim que fosse possível.  Escorei meu corpo no meu carro velho e como sempre acontece quando não tenho nada para fazer, pensei nele. 

Gradualmente, a história sobre a Mia foi substituída por outras notícias escandalosas sobre celebridades mais presentes na mídia, como Miley Cyrus, Britney Spears, pessoas que realmente precisavam da fama para sobreviver.  Conhecendo a família Darcy e sua máxima discrição acerca dos assuntos familiares, eu sabia que havia sido um alívio depois de uma longa tempestade.

Aos poucos, eles conseguiriam seguir suas vidas, perdoando o filho mais velho pelo segredo que manteve guardado durante uma década.  A Abby com certeza, desfrutaria de suas festas sem se incomodar com os flashes de jornalistas interessados em sua reação após a descoberta da noiva misteriosa do irmão. Quem sabe, ela descobrisse alguma coisa sobre os pais verdadeiros, agora seu nome foi amplamente divulgado pela mídia.

Aos poucos, a vida se encarregava de colocar tudo em seu devido lugar.  Talvez, exceto a dor de perder alguém que foi muito amado por você.

É certo que eu jamais fui capaz de superar a morte de meu pai, inclusive passei a olhar minha mãe com outros olhos depois da tragédia que distanciou nossas vidas.  De mesmo modo, eu sabia que ele não estava bem.  Ainda era cedo demais para curar uma ferida tão grande como deveria ser perder a Mia.

Como é ter que acordar todos os dias, sabendo que estamos separados e não poder fazer nada a respeito para evitar.  Pois isso estava além dos princípios que há muito tempo eu havia ultrapassado.

T7^$

Como suportar Oliver Darcy - COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora