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Peguei o leite de caixinha e o despejei numa tigela repleta de granola.
Eu havia chegado de Miami há mais ou menos duas horas e só não tinha ido dormir porque a necessidade de tomar um banho juntamente com a fome falaram mais alto. O apartamento estava silencioso e não havia bilhetes pregados na geladeira, apenas sapatos espalhados pela sala, indicavam-me a presença da Grace em alguma parte do dia, ou do fim de semana, já que ela se aproveita dos momentos que estou longe, para bagunçar a casa a vontade.
Provavelmente estava em um bar, com os colegas da faculdade. Ela nunca gostou de ficar sozinha em casa, mas sempre teve em quem se refugiar para suprir minha falta, diferente de mim, que a tenho como melhor e única amiga.
Terminei de comer e lavei a tigela, satisfeita por ter saciado minha fome. Pensei em como pessoas tão diferentes, como eu e a Grace poderiam ser amigas tão próximas! Ela sempre foi extrovertida, bagunceira e meio irresponsável, já eu sou a mulher tímida, excessivamente organizada e responsável. Somos a prova de que o ditado "os opostos se atraem" é verdadeiro.
Como se soubesse que eu estava pensando nela, Grace apontou na cozinha. Seu cabelo escuro estava desgrenhado e os lábios com sobras de batom vermelho.
— Ei Jules, senti saudade — disse, me abraçando — Como foi o final de semana com o Sr. Darcy Gostosão?
— Estranho — respondi, ignorando o apelido que ela inventara para o meu chefe.
Grace abriu a geladeira e pegou uma maçã, deu uma mordida e colocou-a na mesa. Então, ela se sentou na cadeira e tirou os saltos vermelhos de bico fino, fazendo careta.
— Por que estranho?
Eu me sentei na cadeira novamente e cruzei os braços. A verdade é que passei a viagem toda pensando no final de semana (além de tremer um pouco por causa do voo, claro) e como não tive conclusão alguma, decidi me ocupar cantando músicas da década de oitenta no banheiro até me esquecer.
E havia conseguido, até a Grace perguntar.
— Porque eu fui ao cinema com o Darcy.
Grace arregalou os olhos e depois abriu um sorriso largo.
— Eu sabia! Todas essas histórias que você conta sobre o Oliver desde quando começou a trabalhar na empresa e a maneira como ele te tratava... Estavam interessados no outro esse tempo todo!
Ela dizia "Oliver" como se o conhecesse há bastante tempo. Imaginei o que ele diria se visse uma desconhecida chamando-o pelo primeiro nome.
Provavelmente engenharia a testa ou faria aquela expressão de paisagem-desculpe-sou-superior-a-tudo.
Coloquei uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e revirei meus olhos para disfarçar o desconforto com aquelas acusações da Grace. E claro, fiquei vermelha.
— Não é nada disso! — expliquei, em tom apelativo — Não foi um encontro, ok? Nós apenas almoçamos juntos e...

Parei de falar porque a Grace me lançou um olhar cético de quem continuava certa do que havia acabado de dizer. Então, percebi que, independente do que eu dissesse, ela manteria sua opinião sobre meu relacionamento com o Darcy.
Dei um suspiro alto e profundo.
— Você está enganada, ele é meu chefe e nosso relacionamento nunca vai passar de patrão/funcionária.
— Se você diz...
Ok, não consegui ignorar.
— Grace, acorda! — falei, um pouco mais alto que o normal — Eu e o Darcy juntos? Só em um mundo paralelo em que a personalidade dele fosse completamente diferente do que é! Não sou mais uma adolescente que fica romantizando um relacionamento inexistente só porque o homem é bonito.
Grace mordiscou a maçã e continuou sorrindo, o que me deixou ainda mais nervosa. Eu estava quase gritando, tentando convencê-la da verdade e em troca, recebia um sorriso irônico.
— Eu acho que você que não está acordada, Jules.
— O que quer dizer com isso?
— Que você só diz que o Darcy é insuportável para resistir a ele.
Eu soltei uma gargalhada exagerada, embora não estivesse com vontade de rir.
— É mesmo? E por que eu estaria apaixonada pelo Darcy?
Ela colocou a maçã na mesa novamente e pôs a mão no dedo, revirou os olhos para cima para fingir que estava pensando muito em algo que estava na ponta de sua língua.
— Vejamos... Porque vocês dois são insuportavelmente organizados, dedicados a empresa, incapazes de relaxarem e se forem a um psiquiatra serão diagnosticados com TOC?

Não sei se foi pela vontade de encostar minha cabeça no travesseiro ou pelas ofensas da Grace, acabei me levantando da cadeira e caminhei rumo ao quarto.
— Jules...
Eu parei na porta, mas não me virei. Minha cota de paciência estava cheia por uma noite.
— Desculpa, eu não quis te ofender.
— Não ofendeu... Você apenas disse que eu sou exatamente como a pessoa que eu mais detesto.
— Você sabe que eu daria tudo para ser metade do que você é, não é?
— Que seja, vou dormir.
Escutei Grace encostar a mesa na cadeira e caminhar sorrateiramente pela casa, enquanto eu tirava o roupão em meu quarto. Puxei a colcha e deitei na cama, de conchinha, sentindo cada parte do meu corpo estremecer, agradecido, pelo contato com o colchão.
— Jules, me deixa entrar? — Grace disse, batendo na porta.
Revirei os olhos.
Por que ela não podia me deixar em paz, apenas uma noite?
Não respondi nada, fechei os olhos e esperei que ela saísse dali, depois de se convencer que eu estava dormindo. Mas eu devia saber que a Grace nunca desiste, pois ela abriu a porta mesmo assim.

— Jules, me desculpa...
— Tudo bem, Grace, não tem problema.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Embora você e o Darcy tenham características parecidas, vocês não são iguais.
— Tudo bem... Me deixa dormir...
— Ok, eu queria te contar uma coisa, mas deixa para outro dia.
Não respondi de imediato, pois sabia o que a Grace estava fazendo: colocando uma dúvida na minha cabeça, que logo se transformaria em curiosidade. Eu pensaria em muitas coisas que ela poderia me dizer – problemas terríveis em sua vida – e acabaria perguntando.
Droga, odeio a Grace.
Então, eu liguei meu abajur e sentei na cama, concluindo que minha amiga permanecia encostada na parede do quarto, segurando a maçaneta da porta com uma expressão envergonhada.
— O que foi, Grace?
— Eu estou saindo com alguém.
Ah... Pelo amor de Deus! Não basta a Grace tentar atrapalhar minha noite de sono, ela também precisa fazer alarde para uma coisa tão normal em sua vida. Já perdi a conta de quantas vezes escutei aquelas palavras e das próximas que viriam: "decidi terminar o namoro".
— Tá.
— Jules, dessa vez é sério! Eu acho que encontrei o amor da minha vida.
— Ok.
— É o Brian, você se lembra dele?
Então, lembrei-me do homem de cabelos encaracolados e dentes alvos que conversara comigo na boate, antes que a Abigail aparecesse e atrapalhasse tudo. Grace havia ficado com ele, depois de eu sumir com a desculpa de que ia ao banheiro.
— Brian, o dentista? — perguntei, com a voz levemente afetada.
— Espero que você não fique chateada, afinal, vocês não conversaram mais de dez minutos e eu nem fiquei com ele naquele dia.
Eu fechei os olhos e dei um sorriso mais para mim do que para ela.
— Eu não me importo.
Tentei exprimir toda persuasão possível naquela fala, pois o que menos queria era alongar minha conversa com a Grace. Com o Brian ou sem Brian, Oliver ou sem Oliver, tudo que eu queria era dormir e minhas pernas doloridas concordavam com isso.
Grace finalmente saiu do quarto, depois de assenti com uma expressão tristonha de quem não havia se convencido da minha sinceridade.
Assim que a porta se fechou, convenci a mim mesma de que não tinha nada a ver a Grace ficar com o dentista. Afinal, eu imaginei que nunca mais o veria novamente. Só que – claro, não pensei que ele ficaria com a minha melhor (?) amiga.
Ah... Foda-se.
Fechei os olhos e me obriguei a dormir.

Como suportar Oliver Darcy - COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora