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Existem dias em que eu gostaria de pular dez anos da minha vida, para um futuro em que estivesse no topo da minha carreira, morando em uma cobertura duplex do Upper East Side, com um labrador chamado John e um closet com todas as peças da coleção de inverno da Dior. Dias como esse, em que saio do trabalho duas horas além da minha carga horária, entro no elevador, aciono a tecla do estacionamento e ainda preciso enfrentar o trânsito de Nova York para chegar a meu apartamento ao Park Slope.
Desde que sai do campus da Universidade de Nova York, passei a dividir algumas moradias com minha melhor amiga, Grace. Conhecemo-nos na minha primeira aula de Cálculo 1 e desde então acompanhei as diversas mudanças de profissão da Grace: primeiro ela queria ser administradora, depois professora de maternal e agora jornalista. Bom, pelo menos agora parece satisfeita.
Esfrego minha sapatilha no tapete do apartamento, enquanto reviro minha bolsa a procura do molho de chaves. Encontro minha carteira, um batom rosa choque, absorventes, presilhas de cabelo de variados tipos e voilá - o molho de chaves - é impossível não me animar um pouco e sorrir.
Oliver Darcy, onde quer que você esteja, saiba que não é capaz de tirar minha alegria por chegar em casa.
Coloco a chave na fechadura e giro a maçaneta, abrindo a porta devagarzinho.
Grace está sentada no sofá, comendo um pote de sorvete de flocos - daqueles que usamos apenas em casos emergenciais, com os olhos fixos em nossa TV de 21 polegadas.
- Oi Jules! - sua voz soa animada, como de costume - Como foi o trabalho?
Eu forço um sorriso e fecho a porta, descalço as sapatilhas e me abaixo para pegá-las.
- Mais um dia de trabalho, menos um dia com o diabo.
Sento-me ao lado da Grace no sofá, coloco a bolsa na mesa e as sapatilhas embaixo dos meus pés.

- Nem me diga, passei o dia na biblioteca da universidade fazendo um trabalho! Você sabe que eu jamais devoraria um pote de sorvete sem necessidade.

Solto uma risada. Grace é o que muitas pessoas chamam de rato de academia.
Deito minha cabeça no encosto do sofá e fecho os olhos. A imagem do Darcy, com seu terno habitual e os braços cruzados preenche o espaço vazio da minha cabeça.
- O Darcy é horrível! O pior chefe que alguém poderia ter.
- Para Jules... Poderia ser pior.
- Como poderia? Ele me fez refazer um relatório enorme que havia ficado ótimo - solto uma risada nervosa.
- Bom... Ele poderia ser velho, feio e ter mau hálito.
Engasgo na própria saliva e levanto meu rosto alguns centímetros apenas para encarar a Grace com uma expressão debochada. Ela me encara e dá de ombros.
- O que foi? É verdade!
Então, ela dá um pulo do sofá e caminha até a cozinha.
Grace é morena e tem estatura mediana. Seu cabelo é liso e vai até o ombro, tem olhos pretos e lábios finos, um nariz um pouco elevado, mas nada que tire sua beleza. Ela é o tipo de garota que apenas com um vestido justo tem poder de parar qualquer rapaz por onde passa.
Ela volta rapidamente, segurando uma colher.
- Você está precisando de sorvete, também - diz, me entregando a colher.
Grace se senta ao meu lado novamente e me oferece o pote. Encho a colher de sorvete e tomo a primeira poção devagarzinho.
- Estou cansada de assistir as comédias românticas da Julia Roberts na televisão! Nós precisamos sair mais e de namorados também... Eu não beijo ninguém desde Jimmy Fox!

... O que foi há duas semanas.
- Nós iremos sair neste final de semana! - ela grita, em um entusiasmo gradual - Vamos para uma boate daquelas cheia de homens lindos e ricos, você vai esquecer o Oliver gostosão.
Reviro meus olhos.
- Alô! Ele é meu chefe, não meu namorado - explico em um tom de correção.
Grace me ignora e levanta a mão, com um sorriso sonhador brotando em sua face.
- Eu vou esquecer que sou uma mulher de vinte e quatro anos que não está nem perto de terminar a faculdade e não tem um mísero pretendente para me salvar da grande hipótese de terminar solteira e acabada.
Arfo, deixando bem claro que não estou em um bom dia para escutar os devaneios da Grace. Pego minhas sapatilhas e a bolsa novamente e deixo a colher em cima da mesa de centro.
- Jules, promete que vai sair comigo sábado?
Se há uma coisa que aprendi com a Grace é que ela é péssima em escutar respostas negativas. Para evitar uma discussão, digo:
- Sim.
E então vou para o meu quarto que, de repente, parece um paraíso celestial. Coloco a bolsa na mesa e tiro minha camiseta, observando minha cama que parece mais tentadora que nunca. Termino de tirar a roupa e vou para o banheiro.

Deixo a água quente cair sobre o pescoço e minhas costas, a fim de aliviar a tensão. É preciso de meia hora de banho para que isso aconteça.
Visto um roupão florido que ganhei de presente da minha avó no último Natal que passei em casa, quatro anos atrás e volto para o quarto. Escuto meu celular tocar e retiro-o da bolsa, cogitando a ideia de ser a minha mãe.
Eu deveria recusar suas ligações, mas percebo que minha cota de ligações recusadas já está entupida. Se fizer isso mais uma vez, ela pegará o primeiro ônibus em Jennings para me visitar e passar uma semana na cidade, reclamando sobre o fato de ter uma filha desligada com a família.
Porém, me assusto a encontrar o número do Darcy na tela do celular. O que esse panaca deseja, as... Olho no relógio... Nove horas da noite?
Clico em atender, instigada pela curiosidade.
- Alô?
- Senhorita Fischer, gostaria que você enviasse por e-mail o documento das exigências da família Stone sobre o projeto 10092AB.
Coloco a mão sobre minha cabeça, sentindo minha respiração ficar mais rápida.
- Tudo bem, mas eu estou em casa - falo em um tom casual - Eu não tenho esse documento aqui.
Escuto-o limpar a garganta e imagino-o coçando a sobrancelha - uma de suas manias.

- Eu gostaria de lembra-la que secretários eficientes tem um pen-drive para guardar todos os documentos da empresa.
Milhões de palavrões surgem em minha cabeça no momento que ele se dirige a mim como secretária.
Contudo, eu engulo mais uma vez as palavras e dou um sorriso superficial - como se ele estivesse em minha frente.
- Desculpe-me senhor, quer que eu volte para a empresa?
- Certamente não, senhorita Fischer - responde com arrogância - Serei obrigado a invadir seu computador e procurar os documentos, me envie sua senha por SMS.
"Ou então você vai embora para casa, como todas as pessoas normais fazem e espera até amanhã para adquirir o documento".
- Ok então.
Ele sibila um tchau e desliga antes que eu possa respondê-lo. Tiro o celular do ouvido com as mãos mais trêmulas do que nunca e tenho uma enorme dificuldade para recordar a senha do computador. Por fim, envio a palavra "Carmen12" para seu número.
Deixo o celular na mesa e coloco a mão na cintura.
O pior de tudo é que nem posso desejar que coisas ruins lhe aconteçam, porque isso interferiria de maneira mais drástica em seu humor de cachorro infectado por raiva.
Troco o roupão por um pijama de malha e deito em minha cama, recordando-me de todos os momentos horríveis que passei sobre os comandos de Oliver Darcy.
Só mais dez meses, o pior já passou.
Só mais dez meses.
Fecho meus olhos alguns minutos depois.

Como suportar Oliver Darcy - COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora