Darcy decidiu caminhar pela rua do restaurante, enquanto o motorista não retornava. Eu o segui, satisfeita em ver que a madrugada nublada havia se transformado em um dia levemente ensolarado e fresco. Além disso, estava adorando as lojas daquela rua – que nem de longe pareciam tão caras quanto às do Upper East Side. Pensei em mandar meu currículo para algumas empresas de Miami, assim que terminasse meu estágio na Darcy Media Group. É claro que não estava em meus planos me mudar de Los Angeles tão cedo, mas os ares daquela cidade praiana estavam mexendo comigo.
Olhei para o meu chefe que havia tirado o terno e o colocado no braço direito, as mangas da sua camiseta estavam dobradas e sua expressão, feliz, de uma forma serena. Diferente de mim não parecia encantado com o lugar desconhecido, mas sim alguém perdido em lembranças - momentos vividos ali, em um tempo que as coisas eram completamente diferentes.
Eu imaginei um Oliver Darcy mais jovem caminhando em frente aquele cinema de filmes antigos, encarando os pôsteres que anunciavam as atrações com aqueles olhos verdes menos preocupados em me observarem e o semblante relaxado, como eu nunca vira antes. Será que ele havia sido alguém diferente? Chame isso de ingenuidade, mas as pessoas não nascem amargas ou prontas para infernizar a vida de alguém. Alguma coisa precisa acontecer - algo que afete tão profundamente para aprisionar seu antigo eu.
Bom, pelo menos era nisso que eu pensava quando Darcy deu alguns passos até um cinema de filmes estrangeiros e observava um pôster intitulado "Amour" que estampava um casal de velhinhos simpáticos.
Eu me aproximei e li os nomes dos atores, que pareciam ser italianos.
— Gosta de filmes estrangeiros, senhorita Fischer?
— Na verdade, eu nunca assisti — respondi, ligeiramente envergonhada.
Darcy me lançou um olhar crédulo, com a sobrancelha grossa ligeiramente erguida.
— Verdade?
— Sim — Droga, Darcy, você estava me deixando cada vez mais sem graça — Ultimamente eu tenho trabalhado muito para assistir filmes.
Qual é o problema de nunca ter visto um filme estrangeiro?
Ele sorriu ironicamente, pescando minha indireta.
— O que acha de assistirmos este?
— Mas e a convenção?
Darcy olhou para o lado, como se estivesse pensando a respeito.
E estava, claro.
O que me levou a pensar que:
a) Meu chefe havia ficado bêbado com a taça de vinho que bebeu acompanhada daquele prato italiano traumatizante e por isso cogitou a ideia de assistir um filme comigo, enquanto sua convenção estava acontecendo do outro lado da cidade.
b) Diferente de 99% da população, ele era realmente fã de filmes estrangeiros e preferia assisti-los comigo ao invés de permanecer na convenção.
c) Um alienígena de gosto duvidoso havia se apossado do corpo do meu chefe.— Eu já cumpri minha tarefa e creio que vi o suficiente — respondeu por fim.
Bom, quando seu chefe que geralmente está num humor de cão, faz um convite amigável, é educado aceitar sem pensar demais em seus motivos. Foi isso que fiz.
Darcy pareceu satisfeito por eu ter aceitado e caminhamos juntos até a bilheteria, onde que uma moça de cabelos curtos nos entregou os ingressos da sessão das duas horas. Faltando meia hora para que a sessão começasse, Darcy ligou para o motorista, pedindo que ele ficasse no hotel até ser chamado.
Então, nós entramos na sala de cinema que estava quase vazia, exceto por um casal de adolescentes mais preocupados em se beijarem do que assistir ao filme de fato.
Sentamo-nos na primeira fila, enquanto Darcy me explicava que o filme que iríamos assistir foi indicado ao Oscar. Eu confesso que não estava muito animada para assistir, aceitei o convite mais pela curiosidade de ver meu chefe tão descontraído e a possibilidade de conhecê-lo um pouco mais. Meu Deus, eu escrevi isso?
Mas conforme a história se desenrolava, meus olhos se fixavam na tela. O enredo gira em torno de um casal de idosos, Georges e Anne, que mesmo após vários anos de casados, continuam se amando muito. Porém, em uma noite como outra qualquer, Anne adoece e sua saúde física e mental vai ficando gradativamente debilitada e seu marido tenta ajuda-la da melhor forma possível.Talvez pelos os atores serem realmente idosos e interpretarem tão bem ou pelo enredo realístico que suga as esperanças daqueles que acreditam veemente no "felizes para sempre", eu estava chorando na metade do filme. No começo, foram lágrimas furtivas que consegui disfarçar antes que o Darcy me lançasse um dos seus olhares curiosos, para se certificar de que eu estava gostando.
Mas no fim, eu estava fungando como um adolescente inexperiente que nunca havia ouvido falar de Alzheimer.
Darcy me encarou e abriu um sorriso cínico, iluminado pela tela em nossa frente.
— Você está chorando, Fischer?
Passei o dedo pelo meu nariz que, a julgar pela cor da minha pele, devia estar vermelho.
— Não.
Gostaria de dizer que foi um não convincente, grosso e direto, mas a verdade é que minha voz soou esganiçada e chorosa, como as de um filhote de gato.
Darcy tirou um lenço branco do bolso da calça e me entregou. Eu o lancei um olhar mortal, perguntando-me quem usa um lenço daqueles hoje em dia? Alô, não estamos mais no século 19, em que o herói precisa salvar as donzelas do perigo constantemente.
— Toma — disse.
Eu o peguei, meio emburrada.
Limpei meus olhos e o entreguei novamente.
— Obrigada — respondi, depois de limpar a garganta.
Darcy encostou o ombro na poltrona e deu mais um dos seus sorrisinhos vitoriosos.
— Disponha, fico feliz que tenha gostado.
— Xii, quero assistir o filme — respondi, voltando a olhar para os filhos de Anne e George, já que perdi uma das cenas, distraída com o Darcy.BnMY
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Como suportar Oliver Darcy - COMPLETA
DragostePLÁGIO É CRIME. Julia Fischer conseguiu o tão sonhado estágio da Darcy Media Group, uma das maiores empresas de arquitetura do país. Faltando apenas dez meses para adquirir seu diploma em Administração, ela está mais focada do que nunca no trabalho...