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A última vez que olhei no relógio, eram quase quatro da manhã.  Apertei meu rosto contra o travesseiro e troquei de posição décima vez.  Acordei como se tivesse dormido apenas dois minutos, mas o despertador me dizia que já eram seis horas da manhã.

Penteei meu cabelo e o prendi em uma trança mal feita, troquei a lente novamente pelos óculos, que com certeza me deixava menos atraente, mas eram confortáveis e me deixavam enxergar direito.   Coloquei um suéter por cima da jaqueta marrom e fui para o trabalho.  Depois de uma noite em claro, pensando em todas as possibilidades de viver aquele dia como:

a)      Ligar para o chefe e dizer que estou com uma virose muito forte e que por isso inapta para trabalhar.

b)     Pedir demissão por e-mail.

Percebi que, independente da decisão que eu tomasse, teria que encarar o Darcy frente a frente.  Pedir demissão seria burrice para alguém que está prestes a sair dali, com um diploma de Administração e o estágio na Darcy Media Group abrilhantando meu currículo.   Depois de lutar para conseguir chegar tão longe, eu não poderia desistir tão facilmente.

Então, cheguei à minha sala, que estava impecável e cheirosa devido à dos finais de semana.

Puxei a cortina e abri a janela, admirando a bela vista dos outros arranha-céus de Nova York.   Era mais um dia frio e seco, algo bem típico do inverno, minha estação preferida.

Sentei-me na cadeira e abri os e-mails, decidida a começar a trabalhar.

Mas poxa, quem eu queria enganar?

Acordei com uma sensação tão horrível quanto a que sentia quando dormir.  Eu não conseguia tirar o Darcy da minha cabeça, com seus olhos verdes me encarando antes de me beijar ou dele falando meu nome enquanto a gente transava.

Eu estava horrível.

Nem a base ou óculos conseguiram disfarçar minhas olheiras e o cabelo continuava rebelde, com dezena de fios fora da trança.  Para piorar, meu nariz estava inchado – talvez do frio – e entupido, o que sempre acontece quando eu choro.

Lembrar que eu havia chorado por um homem estúpido me fazia bater contra as letras do teclado ainda mais forte que o costume.  Mil palavras saíram erradas, quando eu não tinha um branco e me esqueci completamente do que estava fazendo, o que significa que eu precisei reescrever os mesmos e-mails centenas de vezes até ficarem razoáveis.   Isso mesmo, razoáveis.

Sem falar que meu coração acelerava toda vez que eu escutava alguém caminhando lá fora, ou pelo menos acreditava que ouvia.  Assim também aconteceu nas poucas vezes que o telefone tocou, mas eram outras estagiárias me pedindo ajuda para enviar algum e-mail ou fazer algum telefonema.

Parecia até que ele não foi para o trabalho naquela segunda-feira, algo que eu sabia ser impossível.

Por volta das onze da manhã, o telefone tocou novamente, eu atendi sem prestar atenção, pois estava com a cabeça voltada para o Excel.

― Fischer, quero que venha aqui agora ― e desligou.

Deixei o telefone em meu ouvido, mesmo depois de segundos que ele desligara. Meu coração quase saltou pela boca e a respiração se tornou uma tarefa muito difícil, ao invés de involuntária.

Ele estava ali e finalmente iria me explicar o porquê de sair daquele jeito da minha casa.   Eu prometi a mim mesma que ficaria calada até ele terminar de se explicar e que controlaria minha boca para não ofendê-lo como naquela noite. Ajeitei a saia, colocando-a abaixo do joelho e olhei meu reflexo no vidro da janela.

Tentei fingir que estava um pouco mais apresentável do que na realidade, pois não precisava de mais um motivo para ficar nervosa. 

Caminhei até a porta do Darcy, tentando não tropeçar nos meus próprios pés, que tremiam incansavelmente. Parecia que eu estava a caminho de um auditório imenso – efeitos colaterais de transar com seu chefe.

Fiz o mesmo exercício de respiração várias vezes, antes de finalmente bater na porta. Não escutei uma resposta, mas entrei.

E lá estava ele.

Sentado em sua cadeira, segurando uma pasta amarela enquanto lia alguma coisa no computador.  Seu olhar foi até mim e depois voltou para o computador, como se eu o estivesse interrompendo no meio de alguma coisa importante.

Só então percebi que seus olhos pareciam mais cansados que ultimamente, com olheiras profundas abaixo deles. 

Eu me aproximei da sua mesa e abracei minhas mãos, sentindo meu coração em ritmo de escola de samba brasileira.

― Fischer ― sua voz soou um pouco mais rouca que o normal ― Gostaria que você remarcasse meus compromissos do final de semana e fizesse umas cópias do contrato da família Russo. 

Parei de respirar naquele mesmo momento, assim como parei de sentir meu corpo.

Era impressão minha ou ele estava agindo como se nada tivesse acontecido?  Foi impossível não abrir minha boca e deixar o ar sair de lá, observando-o com assombro e surpresa ao mesmo tempo.

Ele me olhou, inexpressivamente.

― Estamos entendidos?

Soltei um gemido de incompreensão, praticamente inaudível.  Ele não deixou de olhar para mim, como se quisesse dizer mais alguma coisa, mas não disse. Eu também fui incapaz de dizer.

Olhei para baixo, minha sapatilha com pontinhas douradas e caminhei até sua mesa, peguei a pasta amarela (com o contrato da família Russo) e apenas assenti.  Não consegui dizer nada, parecia que minhas cordas vocais haviam sido cortadas por uma tesoura.

Então, eu dei de costas para o Darcy, sentindo-me mais do que humilhada.

Me senti imunda, como poucas vezes na vida.

E é claro, foi impossível conter as lágrimas quando eu fechei a porta do seu escritório.

Como suportar Oliver Darcy - COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora