54 - Vi

0 0 0
                                    

Tédio mortal, o mais absoluto tédio mortal é fazer Direito. Só engulo essa desgraça porque quero ser agente, como meu pai, quero subir na carreira e mandar naquela joça. Rolo na cama e desligo o despertador, dou com a cara no tablet, mais uma vez peguei no sono enquanto estudava, mas o concurso tá chegando, assim que eu passar para a polícia será mais fácil engolir o curso de Direito. 

Me arrasto até o banheiro e lavo o rosto. Mamãe está no tatame dando chutes no saco, dá pra saber pelo barulho, coloco a água do café para ferver e vou até o quarto do Banguela, ele tem os olhos abertos, mirando o teto.

- Sem sono?

- Não falo com traíra e futura assassina da democracia.

- Bom dia pra você também.

Ele cobre a cabeça com um travesseiro e dou as costas, no tatame encontro meu pai fazendo abdominais.

- Café em 10 minutos. - Aviso e eles agradecem.

O Fred não vai me perdoar nunca? Seus amigos foram embora há quase duas semanas e ele ficou assim, solitário, só conversa com a mamãe, Aretha e Maurício, aliás os dois não desgrudam, o cara desenvolveu uma dependência patológica da perfeita. 

Eu dei graças a Deus de me ver livre dos meninos, a Olívia tem ciúmes de meio mundo, mas a única competição que tem de verdade é a Cacá, muito bonita, muito inteligente, muito divertida. Muito tudo, tipo uma versão mais nova da minha mãe.

Mamãe entra na cozinha com short minúsculo, os gomos na barriga e os braços definidos são mais do que um orgulho, são um registro de que se eu quiser envelhecer assim terei de nascer de novo. 

Meu pai senta-se ao lado, ele disfarça como pode, mas volta e meia olha os peitos da mamãe que no top continuam desafiando a gravidade, uma hora eles vão perder, mas até lá ela continua tendo o melhor par de peitos da casa, eu fico em segundo lugar.

- Banguela! - eu grito.

- Vá chamar seu irmão, que horrível gritar! - papai toma os pães da minha mão.

Instante depois Fred entra, a mesma cara de paisagem, mas claramente tá rolando alguma coisa.

- Pesadelo? - a mamãe pergunta. - cê sabe que sempre pode vir pra nossa cama, nenhum filho fica velho demais pra isso.

Ele sorri, claro, pra mamãe ele sorri, pra mim e para o pai ele guarda a cara de nada e o cenho franzido. Ele dá um beijo na Ati, mas pula a mim e o pai, senta-se no lugar de costume e puxa a garrafa de café.

- O que é isso? - pergunta olhando o centro da mesa.

- Pão de queijo.

- Por que comprou isso?

- Não comprei, a mãe do Maurício mandou, é gostoso.

- Eu passo! - ele faz cara feia – tudo naquela casa tem açúcar demais.

- Não tem açúcar em pão de queijo. - meu pai informa e pega um.

- Gente, saporra é liguenta! - minha mãe reclama e meu pai sorri enchendo a boca.

Todos comemos do bagulho com exceção da minha mãe que toma seu pingado com pão francês.

Ah a paz doméstica, tudo estaria perfeito se meu irmão não ignorasse minha existência, o que aliás é muita maldade porque éramos unha e carne e isso de estarmos longe é bem ruim pra mim, além de não ter meu melhor amigo me sinto sozinha. 

Sinto falta da Isa também, mas foi bem covarde o jeito como terminou com o Fred, quando ele mais precisava, não dá pra continuarmos amigas.

O chato é que ao contrário da Aretha não faço amigas com facilidade e as pessoas não correm para mim ou são atraídas pelas sardas do meu rosto ou meus cabelos crespos que cada dia estão mais revoltados. 

Fred 2.0Onde histórias criam vida. Descubra agora