Tédio mortal, o mais absoluto tédio mortal é fazer Direito. Só engulo essa desgraça porque quero ser agente, como meu pai, quero subir na carreira e mandar naquela joça. Rolo na cama e desligo o despertador, dou com a cara no tablet, mais uma vez peguei no sono enquanto estudava, mas o concurso tá chegando, assim que eu passar para a polícia será mais fácil engolir o curso de Direito.
Me arrasto até o banheiro e lavo o rosto. Mamãe está no tatame dando chutes no saco, dá pra saber pelo barulho, coloco a água do café para ferver e vou até o quarto do Banguela, ele tem os olhos abertos, mirando o teto.
- Sem sono?
- Não falo com traíra e futura assassina da democracia.
- Bom dia pra você também.
Ele cobre a cabeça com um travesseiro e dou as costas, no tatame encontro meu pai fazendo abdominais.
- Café em 10 minutos. - Aviso e eles agradecem.
O Fred não vai me perdoar nunca? Seus amigos foram embora há quase duas semanas e ele ficou assim, solitário, só conversa com a mamãe, Aretha e Maurício, aliás os dois não desgrudam, o cara desenvolveu uma dependência patológica da perfeita.
Eu dei graças a Deus de me ver livre dos meninos, a Olívia tem ciúmes de meio mundo, mas a única competição que tem de verdade é a Cacá, muito bonita, muito inteligente, muito divertida. Muito tudo, tipo uma versão mais nova da minha mãe.
Mamãe entra na cozinha com short minúsculo, os gomos na barriga e os braços definidos são mais do que um orgulho, são um registro de que se eu quiser envelhecer assim terei de nascer de novo.
Meu pai senta-se ao lado, ele disfarça como pode, mas volta e meia olha os peitos da mamãe que no top continuam desafiando a gravidade, uma hora eles vão perder, mas até lá ela continua tendo o melhor par de peitos da casa, eu fico em segundo lugar.
- Banguela! - eu grito.
- Vá chamar seu irmão, que horrível gritar! - papai toma os pães da minha mão.
Instante depois Fred entra, a mesma cara de paisagem, mas claramente tá rolando alguma coisa.
- Pesadelo? - a mamãe pergunta. - cê sabe que sempre pode vir pra nossa cama, nenhum filho fica velho demais pra isso.
Ele sorri, claro, pra mamãe ele sorri, pra mim e para o pai ele guarda a cara de nada e o cenho franzido. Ele dá um beijo na Ati, mas pula a mim e o pai, senta-se no lugar de costume e puxa a garrafa de café.
- O que é isso? - pergunta olhando o centro da mesa.
- Pão de queijo.
- Por que comprou isso?
- Não comprei, a mãe do Maurício mandou, é gostoso.
- Eu passo! - ele faz cara feia – tudo naquela casa tem açúcar demais.
- Não tem açúcar em pão de queijo. - meu pai informa e pega um.
- Gente, saporra é liguenta! - minha mãe reclama e meu pai sorri enchendo a boca.
Todos comemos do bagulho com exceção da minha mãe que toma seu pingado com pão francês.
Ah a paz doméstica, tudo estaria perfeito se meu irmão não ignorasse minha existência, o que aliás é muita maldade porque éramos unha e carne e isso de estarmos longe é bem ruim pra mim, além de não ter meu melhor amigo me sinto sozinha.
Sinto falta da Isa também, mas foi bem covarde o jeito como terminou com o Fred, quando ele mais precisava, não dá pra continuarmos amigas.
O chato é que ao contrário da Aretha não faço amigas com facilidade e as pessoas não correm para mim ou são atraídas pelas sardas do meu rosto ou meus cabelos crespos que cada dia estão mais revoltados.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Fred 2.0
RomanceDepois de sobreviver a um atentado e descobrir desagradáveis verdades sobre a Família Frederico tenta se ajustar na companhia da irmã Aretha e um novo amigo. Multiplos pontos de vista narrativo, todos em primeira pessoa. O texto possui conteúdo adu...