Eu mal podia acreditar no local para o qual o loiro amigo de Edgar me levara: o conhecido Beco dos ratos; provavelmente o ponto mais trash de Circodema – nenhuma mãe iria gostar de ouvir que seus filhos andaram por esse lugar.
Seguira o mimado e arrogante infeliz a tarde toda – a começar pelo escritório. Foram necessárias apenas algumas horas para já criar uma grande antipatia pelo loiro e bem vestido rapaz que brigara com meu querido amigo de sobrenome Visco. Presenciei-o rasgando uma nota em frente a um indigente, estapeando os quadris de uma garçonete em uma cafeteria e oferecendo dinheiro para uma moça que passava na rua quando parou em um sinal, apenas por que ela usava decote. Desprezível...
Creio que não seria uma surpresa para muitos me deparar com uma boate GLBT de nome Neon Pub após algumas horas seguindo-o, mas para mim fora.
"Quem diria...", pensei, descendo do carro.
O cheiro de maconha cobria o ar da rua pessimamente iluminada; as luzes provindas do fogo dentro de latas de alumínio acusavam os fumantes de crack nos becos ao redor e, claro, os diversos roedores que deram o nome ao local passavam pelo asfalto rachado pelo tempo. Um lugar ímpar, até mesmo para Circodema.
Seguia para a fachada negra com o neon roxo anunciando o nome do local, quando duas travestis com saias bem curtas, seios escandalosos e mais altas que a lua, mexeram comigo.
"Gatinho", uma disse. "Você não quer se divertir um pouco?", a outra completou.
Sorri na direção delas, mas virei o rosto, vestindo minhas luvas – não para combinar com o casaco que vestia – e seguindo para o local: uma pequena porta de madeira velha guardada por nenhum segurança sequer. Apenas um cachorro velho poderia se dar a tal luxo naquele lugar; ficava o alerta para mim.
O interior do local possuía a iluminação de uma caverna; um ar abafado, com direito a ondas de fumaça a cada momento. Mas o som era bom: Misfits. Pelo menos era o que eu achava que fosse. Dois rapazes com piercings por todo o rosto beijavam-se no canto do bar. Alguns grupos de lésbicas – todas de cabelos pintados/raspados e tatuagens – se espalhavam pelo bar e outros tantos punks fumavam no local, olhando em direção às moças. O loiro e bem vestido rapaz sentava sorridente no final do balcão observando o grupo de jovens e com uma bebida vermelha em mãos que parecia brilhar no escuro. Seu rosto revelava a verdade: frequentava aquele local há um bom tempo. O balconista foi quem mais chamou-me a atenção; um homem negro usando colete aberto, deixando o peito à mostra, grandes brincos em ambas as orelhas, maquiagem brilhante nos olhos, uma calça de couro colada, destacando o sexo, salto alto e um moicano roxo como as letras que anunciavam a entrada da boate. Observei-o, não sabendo exatamente com que tipo de situação estava lidando no momento, mas com a certeza de que aquele cara mandava no lugar e de que seria uma boa ideia não mexer com ele.
"Posso ajudar, querido?", o figurão me perguntou. Apenas quem já o vira poderia imaginar o tom de sua voz.
"Uma Jäger, por favor." Sentei-me frente a ele.
"Querendo deixar as coisas um pouco selvagens, meu lindo?", disse, enchendo meu copo. "Só estou brincando, tudo bem, bebê? Qualquer coisa me chame. Luka, ok?"
Assenti, não tendo, ainda, a certeza de como me sentia em relação àquele lugar. Talvez em um momento anterior de minha vida...
Do outro lado, meu amigo em comum com Edgar, o jovem de cabelos claros, conversava com um musculoso punk que estava ao seu lado. Porém, ao me ver, levantou o próprio copo em cumprimento. Retribuí. Desgraçado. Notando a resposta, ele veio ao meu encontro com um sorriso do tipo que só se vê nestes lugares, ignorando aquele com quem estava.
"O que um garoto como você faz por aqui?", me perguntou.
"Eu poderia fazer a mesma pergunta", sorri.
"Qual o seu nome?"
"Joe, meu nome é Joe", um nome tão bom quanto qualquer outro. Olhando de perto, pude ver que o desgraçado ainda estampava um olho roxo em sua face. Edgar, Edgar, às vezes você me faz feliz, bastardo infeliz. "E o misterioso homem de terno e olho roxo chama-se..."
"Pode me chamar de Alex. Mas, talvez o mesmo motivo nos tenha trazido aqui...", desviou o olhar, "Luka", o balconista sorriu para seu antigo freguês, "traga duas doses de...", virou-se para mim, "o que você está bebendo?"
"Jäger", respondi, virando o resto que havia no meu copo.
"Jäger", Alex sorriu. "Duas doses de Jäger, meu querido Luka!", disse, descendo uma de suas mãos sobre minha perna.
O ato fez-me sorrir. Eu o mataria. Se antes tinha dúvidas, naquele momento não mais. Teria muito prazer em fazê-lo.
A mão subiu por minha coxa e a cada instante eu tinha mais certeza de que não aguentaria esperar; colocaria todo o plano abaixo e o mataria ali mesmo.
"Por que não vamos para um lugar mais reservado?", falei, não aguentando mais aguardar por dançar a faca em seu pescoço. A insinuação fez com que ele subisse a mão um pouco mais, apertando minha coxa. Desgraçado. "Eu posso lhe mostrar coisas que a mamãe não ensinou..."
"Você é um menino mau, Joe?" Pude sentir sua vontade em me possuir. Pobre e ingênuo, Alex... Eu quem iria possuí-lo.
"Você não faz ideia...", levantei, afastando o nojento toque com cautela.
"Até mais, Luka!", Alex disse, deixando algumas notas sobre o balcão. Ao menos pagou minha bebida, mas isso não o salvaria.
Até nunca mais Luka. Até nunca mais.
As travestis já não estavam na saída; provavelmente conseguiram seu tão desejado encontro. As luzes nos becos também diminuíram.
"Por aqui", o engravatado me indicou o caminho.
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Liberte-se
Mystery / ThrillerObra disponibilizada na íntegra para o Wattpad. Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/511410ED517738 Para adquirir o livro pela Amazon: http://www.amazon.com.br/Liberte-se-Matheus-Mundim-ebook/dp/B00ZPSLZHE/ Convite: O passado nos constrói e nos co...