Capítulo VIII - Liberte-se / Parte 16: Linda Rivera

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A vida é tão complexa, de forma que mesmo após morrermos não a entenderemos por completo. Acho que isso é tudo que posso dizer.

Edgar... Certezas escorrem por entre nossos dedos mais facilmente que água. Por mais que você tente agarrá-la, parece que há uma eterna força que tenta puxar tudo para o lado contrário (maldita gravidade!); a mesma força que faz com que você desejou outros ou outras quando não deveria, que atrai estes mesmos para você... Luxúria! O melhor amigo do inimigo, isto é certo. Os pecados tentam te seduzir, arrastar-te, prender-te de todas as forças até que... Até que conseguem.

Edgar...

***

Aquela voz...

"Você não parece estar muito bem". Virei-me para dar uma olhada no atrevido. O rapaz de vestes negras mantinha os olhos para frente e as mãos postadas sobre o balcão.

"Ó", arquejei, colocando meu copo seco sobre o balcão. Devo admitir que estava longe de ser um dos primeiros. Merda! "Eu estou bem sim, obrigada." Tentei desviar o olhar, mas em vão. Eu reconhecia aquele rosto; aquele lindo rosto. Sonhara com ele. "Eu o conheço?"

Ele se virou para mim.

Os olhos...

"Eu tenho certeza de que me lembraria", ele disse.

"Não tenha tanta. Minha vida era uma certeza... E olha onde estou."

"Posso me sentar?"

Poderia recordar-me daqueles olhos como se o sonho tivesse acontecido.

"Eu poderia te impedir?"

"Uma mulher como você poderia o que quisesse..."

"Sente-se, então...". Eu havia corado, passando com os dedos, delicadamente, os cabelos por cima de minha orelha. Eu mal podia perceber, mas o convite já estava feito.

"A propósito", sentou-se, "me chamo James."

"Linda." Estendi-lhe a mão.

"É com certeza um enorme prazer conhecê-la, Linda", beijou minha mão entre os dedos. "Mate-me se algum dia eu a esquecer."

"Cuidado com o que pede...", disse, recuando a mão.

A conversa não parecia conduzir para um bom desfecho. Lembrava-me de minhas noites quando eu era mais jovem e não noiva. Mas... Noiva? Ele não estava com outra?! Enchendo a cara?! Desgraçado!

O troco vem sempre na mesma moeda, sr. Visco.

"O que estamos bebendo?", ele perguntou.

"Cuba! Cuba libre!". Não me contive, levantando os braços. Estava mesmo muito embriagada.

"Duas cubas libres então, garçom!", ele me copiou em meio a risos, deitando sua mão sobre minhas descobertas pernas. Seria difícil negar... Seria difícil não se excitar.

"Duas...", concordei, retribuindo, postando minha mão sobre a dele.

"E, desculpe-me a intromissão, mas o que uma mulher como você faz em um lugar como este?". Agradeceu aos drinks que chegaram.

"Tentando esquecer...". Peguei o copo, levando-o ao encontro dos meus lábios. "Esquecer quem sou, o que estou passando... Tudo!"

"Eu não conseguiria." Ele olhou para o alto.

"O quê? Não conseguiria o quê?"

"Esquecer alguém como você". Sorriu, olhando em meus olhos. "Você disse que me conhecia... Seria possível. Seus lábios...". Retirou a mão de minha perna, levando-a rumo aos meus lábios – que Deus queira que não estejam borrados! – pintados pelo vermelho de um batom.

"Você deveria ir com calma..."

"Me desculpe!", disse, recuando e pegando seu copo. "Nós, seres humanos... Não nos contentamos em apenas ver uma perfeita obra de arte. Não! Insistimos em querer tocá-las, senti-las... Me desculpe se a ofendi."

"E você gosta de arte?". Não conseguiria mais segurar-me; estava queimando com vontade de possuí-lo.

"Sei apreciá-la, isto é certo...". Olhos nos olhos, ambos sorríamos.

Aproximei-me de seu ouvido, apoiando-me no alto de suas coxas. "Gostaria de saber no que sou artista?"

O rapaz puxou o ar. Senti que seu coração palpitava em um ritmo frenético. Era uma parte de mim que se dissipava à medida que meu relacionamento com Edgar amadurecia. Bonnie sabia bem do que eu era capaz, tal como eu sabia do que ela era. Homens... Tão previsíveis! Fazem de nossas mãos seu chão, e ali permanecem.

"Não seria cavalheiro de minha parte recusar, seria?"

Ele tentava transparecer calma, mas sua respiração já não era mais a mesma.

"Não, não seria." Desci as mãos por suas pernas, afastando-me.

"Então venha comigo, minha dama", disse, levantando-se, e tirou todo o dinheiro de seu bolso, deixando-o sobre o balcão. Homens!

Antes de sairmos do lugar, senti uma vibração na altura do peito, dentro de meu sutiã; era meu celular. Puxei-o de forma meio desajeitada – o que fez o rapaz engolir seco – e observei a tela. Era Bonnie. "Amiga, você terá de esperar...", pensei.

James sorria, nos encaminhávamos para sua caminhonete.

Um mau presságio pairava sobre mim. Edgar merecia o que eu estava fazendo? Achava que a sensação fosse sobre tal assunto, mas descobriria que não... O morcego revelar-se-ia um vampiro e a noite seria tão escura que ninguém mais seria capaz de ver.

Eu deveria ter atendido à ligação. Oh, sim, deveria.

***

Um deja vú assombrava meus pensamentos; lembrava-me de seu rosto, lembra-me bem. Os lindos olhos, a voz sedutora, o toque... Edgar não poderia competir com ele (por um momento vislumbrei-o deitado em sua cama; não sabia bem o porquê). Mesmo assim, humana que era, precisava de minhas descul¬pas – para mim mesma –, para desencargo de consciência... Como seu amigo ou sua amiga que justifica a noite anterior com a seguinte frase: "Nossa, mas eu nem me lembro! Acho que bebi demais...". Mas no fundo não fizeram nada além do que queriam.

No fundo eu queria. O gozo no meio de minhas pernas não me deixaria negar isto.

Você precisa provar um pouco do próprio veneno, Eddie, meu querido... Sentir o que eu senti quando te vi com aquela vagabunda.

Eu tremia, mas não podia sequer imaginar o que me esperava. Vingança eu almejava, mas vingança ele teria. O preço do pecado seria cobrado. Oh, luxúria, amarga luxúria, quantas pessoas para o inferno você tragou? O Adversário agradece.

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