Capítulo V - Um Espectro Ronda Circodema / Parte 4: Edgar Visco

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Ao pisar fora da farmácia, já abrindo a bendita cartela do remédio, deparei-me com um singelo boteco do outro lado da rua. Dois milagrosos oásis em um deserto só! É para santificar! Em minha experiência, os bons remédios eram ofertados apenas em recintos como aquele. Como era de um bom remédio que eu precisava, para lá caminhei.

O lugarzinho – como a maioria o via – era do tipo mais simples que se pode imaginar, servindo como um pequeno armazém também. O santo medicamento estava lá, postado no alto das prateleiras de madeira velha, que mais pareciam que iriam cair a qualquer momento.

O dono do lugar – os balconistas destes lugares são sempre os donos ou amigos deles – conversava com outros que lá estavam.

"Ei", o chamei.

O senhor olhou e, com uma expressão não muito convidativa, veio ao meu encontro.

"Pois não?"

"Rum. Duplo, por favor". Uma mão sobre o balcão e a outra segurando a cartela do remédio secundário; o principal ainda seria servido.

O velho arrumou a dose e, notando seu novo cliente – eu – tirar alguns comprimidos da cartela, não conseguiu calar-se, pensando ser minha mãe.

"O senhor acha que isso é uma boa ideia? Minha mulher sempre disse para não misturar essas coisas, rapaz."

Parei, olhando-o.

"O senhor", imitei o tom de voz – a dor constante me fez mergulhar em um extremo mau humor, "acha que eu dou a mínima?", estendi o pagamento para ele, que pegou o dinheiro, calado, e se voltou para seus amigos. Melhor assim.

Um... dois... três... foda-se! Vai a cartela toda! Enchi a mão com os comprimidos e usei o rum para fazê-los descer.

"Mais uma dose, por favor", pedi, estendendo-lhe outra nota. Uma dose para selar o pacto com a boa saúde!

"Obrigado", por fim, agradeci, baixando o copo e passando o pulso da camisa sobre a boca.

Voltando ao conforto do banco do meu carro, refleti sobre as palavras do homem. "O senhor acha que isso é uma boa ideia?". A voz insistia em ressoar repetidas vezes em minha mente. Quantas vezes não me perguntei a mesma coisa... Merda...

A dor de cabeça diminuía, talvez por um fator psicológico – não seria a primeira vez na história da humanidade que alguém é curado por um placebo.

Com a cabeça escorada no banco, aguardava a dor esvair-se por inteira. O álcool acalmara-me um pouco e a dor amainava-se aos poucos; o remédio, ou melhor, os remédios faziam seus efeitos. Sorrindo, sem saber bem o porquê, virei a chave do carro – nunca sentira minha cabeça tão leve, o que era estranho, dadas as últimas horas do meu dia.

Antes de me colocar em movimento, tive meu olhar capturado por um posto de gasolina, próximo da farmácia e também do meio-fio onde o carro estava estacionado, onde um boneco balançava seus braços freneticamente graças a um jato de ar. Os membros – as mãos – ondulavam e ondulavam, como um jovem em uma rave dançando alucinadamente sob o efeito de LSD.

Sentia-me bobo, pois a lembrança do simpático boneco fazia-me rir sozinho; seus braços balançando... Porra... Hilário!

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