Capítulo I - Ligados por Sangue / Parte 12: Edgar Visco

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Continuei no escritório mesmo após terminar meu expediente, a fim de adiantar o trabalho do dia seguinte – tinha a expectativa de me ausentar pela manhã. Havia um certo toque de melancolia em permanecer naquele amplo salão, sempre movimentado, com várias mesas vazias e computadores desligados, observando as poucas pessoas passarem pela rua, já escura, iluminada pela luz laranja do poste. As luzes estavam ligadas, o que atraía os olhares de alguns – inclusive, uns destes começavam a me dar nos nervos, provavelmente tomando-me como uma fácil vítima de furto, uma forma de adentrar e roubar aquele lugar.

Decidi que o trabalho feito ultrapassava o suficiente, apenas um par de processos teriam que aguardar o dia seguinte para serem revisados. Além do mais, uma grande noite aguardava-me. Puxei o molho de chaves do bolso do casaco e abri a gaveta da minha mesa. Não houve nenhuma infeliz surpresa, o que eu buscava encontrava-se no mesmo bendito lugar: o anel de noivado com o qual faria o pedido a Linda naquela mesma noite. Apanhei a pequena caixa de veludo negro em formato de baú e abri para contemplar mais uma vez a joia, o círculo que – se tudo ocorresse bem – envolveria um dos finos e macios dedos de minha querida, portador de um singular diamante. Um anel delicado, que me causava um misto de ansiedade e alegria e despertava-me o sorriso; simbolizava, para mim, a consolidação do novo homem que me tornara. Felicita-me que tenha sido ela a mulher com a qual eu esbarrara... Eu provavelmente gritaria por qualquer outra; precisava de alguma válvula de escape para me forçar a sair do caos que minha vida havia se tornado. Linda, porém, foi mais do que eu pudesse esperar de alguém; a paixão não tardou a cristalizar-se.

De um homem boêmio a um homem casado...

"Eddie?", uma inesperada voz surgiu no salão. O susto tomado quase me fizera derrubar o anel. Virei-me procurando o infeliz, mas sorri ao encontrar o rosto. Era a pessoa pela qual eu possuía mais respeito dentre todos meus colegas. Ronne Ventura, especialista em direito trabalhista que com seu cabelo batido e barba feita, trajando elegantes ternos, lembrava o então presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama.

Conversando com ele em uma das raras vezes que adentrei um bar naquele ano, conheci um pouco sobre sua história. Dissera-me que formara-se na mesma faculdade que eu havia frequentado e que desejava ajudar trabalhadores a reivindicarem seus direitos, algo que, se não me engano, ele conseguiu realizar por uns anos. Não ganhava muito, mas era o suficiente, e ainda ajudava aqueles cidadãos invisíveis como aqueles que os jornais referem-se apenas como "mão de obra". No entanto, os juízes sempre se mostravam do lado das grandes empresas e corporações e, quando muito, sua causa ganhava um quinto do requisitado – era notável pelo seu rosto que isso o frustrava muito mais do que podia admitir. Ao longo dos anos, recebeu diversas propostas para jogar do lado dos influentes, fazê-los perderem ainda menos do que perdiam. No princípio ele negava os convites, acreditando que ainda poderia fazer alguma diferença para os que defendia. Tudo mudou para ele quando se casou e sua mulher teve a primeira gravidez... Gêmeas. O que ele ganhava em seu nobre trabalho já não era o suficiente – mesmo somando ao que sua mulher recebia – e, como tinha que prover sua família, aceitou a oferta do grande Keller em um dado dia, contrariando tudo pelo que lutava. Os primeiros grandes salários, ele disse, fizeram-no esquecer seus antigos clientes. Dizia-se que não fazia diferença, que o que era justo continuaria justo aos olhos do juiz. E tudo corria bem até deparar-se, em uma de suas gloriosas idas ao tribunal, com um humilde senhor que ajudara uma vez; o homem perdera a causa e ele a alegria que sempre teve frente ao juiz. O salário crescia com as causas vencidas e para sentir-se melhor acerca de si mesmo, passou a dedicar parte de sua renda para casas de caridade. A única cosia que fazia tudo valer a pena, segundo ele, era ver os rostos felizes de suas filhas quando chegava em casa.

"Ronne!", respondi, sorrindo, recuperado do susto. "Você me assustou, rapaz! Pensei que estivesse sozinho por aqui."

"E este lugar pode ser assustador às vezes", concordou. "Mas me desculpe, não tive a intenção. Não acreditei que houvesse outro louco aqui essa hora."

"Estava adiantando algumas coisas para amanhã...", respondi, tentando guardar o anel de forma sutil para que ele não notasse, como um adolescente escondendo uma carta de amor ao encontrar os amigos.

"Mas foi bom ter te encontrado. Precisava do arquivo daquele Marco alguma coisa... Lembra-se dele? Sujeito mais ou menos dessa altura", abriu a mão abaixo do queixo para indicar o tamanho do homem.

"Ah...", passei a mão pelo cabelo. "Lembro-me sim. Mas...", torci os lábios, "acho que o deixei em casa. Precisava dele pra hoje?"

"Não, Eddie, tudo bem", sorriu. "Além do mais, acho que já chega de trabalho para nós hoje, não acha?", apontou para o bolso do meu casaco. "Grande noite?"

"Sim...", disse, meio sem graça. "Espero que seja!" Pensei que ele não havia notado.

"Amanhã você deixa o arquivo comigo pela tarde, pode ser?"

"Tudo bem."

"Vamos?", arqueou as sobrancelhas rumo à saída.

Assenti, levantando-me e segui com ele, que desligou as luzes e ativou o alarme. Os indivíduos que passaram o olho por mim momentos antes afastaram-se; não iriam se meter com dois homens em melhores condições físicas do que eles.

"Preciso de um bom vinho depois de um longo dia destes...", ele disse. "E pra você vinho já não serve, vá de champanhe para comemorar!", sorriu, cumprimentando-me com um toque no ombro.

Despedimo-nos, seguindo cada um para um lado. Antes que entrasse no carro, ele acenou e eu retribuí o gesto. Bom sujeito.

Enfim minha noite começava. Caminhando em direção ao meu carro, saquei o celular para fortalecer o convite para minha – se tudo desse certo – futura noiva.

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