Capítulo VII - Olho por Olho / Parte 7: Edgar Visco

1.7K 148 3
                                    

A noite tornava a cair sobre Circodema no momento em que reabri meus olhos, despertando novamente. Minha primeira reação foi levar a mão no alto da barriga; meu estômago ardia em fome – há muito não comia.

Primeiramente fui ao banheiro, realizando meus hábitos de higiene, com o perdão do eufemismo, lavei o rosto e voltei ao quarto, onde peguei a arma e a postei na cintura (ela começava a se acostumar com o lugar), dirigindo-me para a saída. Intuía que o bar do dia anterior pudesse me prover algum alimento saudável, de preferência com muita gordura e muito óleo.

O clima estava seco e frio. As primeiras estrelas brilhavam no céu.

Assim que me sentei junto ao balcão foi-me oferecido o mesmo pacote do dia anterior.

"Não hoje", respondi para o tatuado balconista. "Apenas um hambúrguer, pode ser?". O homem assentiu.

Os motoqueiros não estavam mais no local, que se encontrava vazio naquele dia; poucos assentos ocupados por pessoas pouco animadas. Apenas jovens conseguem manter seu ímpeto numa segunda-feira e Circodema possuía alguns bares e botecos que os acolhiam.

Um homem entrou no local e sentou-se ao meu lado.

"Viu que pegaram aquele desgraçado?", falou em minha direção de um modo, que, no primeiro momento, mal percebi.

"Me desculpe", respondi, quando notou o ruivo e calvo homem vestido de um escuro casaco me olhando.

"O assassino! O tal do espectro, ou seja lá o nome que deram ao desgraçado. Está em todos os noticiários, cara!"

"Ah... sim, sim. Vi, sim". O hambúrguer foi colocado na minha frente sobre o balcão.

"A propósito, me chamo Donnie", estendeu a mão.

"Edgar". Deixei o hambúrguer sobre o balcão para cumprimentá-lo.

"Edgar? Edgar Visco?", arqueou as sobrancelhas.

"O próprio". Mordi o sanduíche. "Para o bem ou para o mal", sorri, mastigando.

"É um prazer, senhor!", um sorriso estampava o rosto. "Mas não deveria estar lá? Lembro de você dando uma entrevista... Cara, quando essa cidade era um buraco, você era o melhor!"

"Obrigado... Mas não. Creio que meus dias acabaram."

"Mas me diga, você foi o motivo de terem-no encontrado, não é mesmo? Lembro que você disse que pegaria ele! E pegou!"

"O motivo dele ter aparecido num primeiro momento", pensei. "Temo que todos os créditos vão para o policial Paul. Mas então o encontraram?". Isso me aliviou mais do que podia imaginar. Um problema a menos em minha vida. Um louco a menos em minha vida.

"Não... Desculpe, me expressei mal", soava constrangido. "Mas se você estivesse lá o teriam capturado, não é mesmo?"

Dei de ombros em resposta. A preocupação voltara da mesma forma que fora. O gosto do último pedaço de meu sanduíche ficara amargo.

"Ei!", o sujeito Donnie chamou o balconista. "Traga duas doses de algum conhaque, por favor". Mantinha o sorriso bobo.

Pensei em negar a bebida de meu novo e entusiasmado amigo, mas que mal faria uma gota de água para quem já estava todo molhado?

"Ao lendário Edgar Visco!", entoou.

"Sem exageros, meu caro", disse, mas levantei o copo e o virei junto ao ruivo. Um suspiro saciado tomou o ambiente.

"Mas é uma honra conhecê-lo, Edgar", mexia dentro do casaco. "Você fuma?", sacou um maço, por fim.

"Ei!", o balconista interveio, apontando para uma placa atrás de si.

Proibido fumar neste estabelecimento.

"Mas..."

"Desculpe, amigo", havia um tom de sinceridade em sua voz. "Semana passada fui multado por uma brincadeira dessa. Hoje prefiro não arriscar. Por favor." O que soava um pouco irônico vindo de um homem como ele.

"Essas leis", o calvo reclamou, baixo. "Vamos?", acenou para a porta. "É bom para colocar as ideias em seus devidos lugares, é dito e sabido."

Eu fumava socialmente e, apesar de saber que o "socialmente" se torna "diariamente" sem muito esforço, mantinha-me dessa forma. Porém precisava colocar minhas ideias em seu devido lugar. Oh, sim, precisava. Por este motivo levantei-me, seguindo meu novo amigo.

O sino da Igreja da Liberdade – principal igreja católica em uma cidade cada vez menos católica – ressoava por toda a cidade.

"Quando era mais novo sonhava em ser um detetive famoso", Donnie dizia, acendendo um cigarro, já fora do local. "Devo te dar os parabéns por realizar meu sonho?", sorriu, entregando-me o maço.

"Bom", puxei um e o acendi, tragando-o ternamente. "Se tivesse visto o que vi e passado pelo que passei, veria que seus sonhos encaixavam-se mais em pesadelos."

"Ah, mas tenho certeza que..."

"Espere...". Uma estranha cena se desenrolava do outro lado da rua. Afastei o homem do meu lado. "O que...". Deixei o cigarro cair da boca, próximo ao descuidado terreno baldio, ao lado do bar. Ouviu-se um grito. "NÃO!". Joguei o homem ao chão, esticando meu braço para frente, mas as palavras não saíram de minha boca.

Liberte-seOnde histórias criam vida. Descubra agora