Capítulo VI - O Epitáfio e o Espetáculo / Parte 10: James Morris

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Digo-lhes que o que torna um homem perigoso, determinando sua capacidade de matar, não são suas habilidades, sua força, sua inteligência, seu poder... O que o torna letal é o seu medo – ou a falta dele. Não ter nada a perder. Eu, como dito anteriormente, não tinha nada a perder... Dei-me ao luxo de tentar cravar meu nome na história naquela noite, pensando que tal fato não me atrapalharia a atravessar a ponte na última parte de sua jornada – o meu caminho, o meu motivo.

***

Dirigia lenta e furtivamente pelas frias ruas de Circodema. Os faróis de meu carro possuíam maldade em seu brilho, como olhos à procura de sua vítima. Dissimulados, bêbados, escória da sociedade, torçam... Rezem para que meus faróis não os encontrem. Rezem como se a imortalidade de vossas almas dependesse disso!

E a sombra crescente na parede de um prédio pichado anunciava: os malditos olhos brilhantes de minha cavalaria encontraram sua primeira vítima.

O infeliz caminhava sobre a calçada como se a mesma fosse uma sensível corda bamba. O ódio exalou de mim e, por um milésimo de segundo, poderia jurar que as luzes dos faróis reluziam em tom vermelho.

Acelerei.

"Ei!", o bêbado filho de uma puta gritou com a proximidade do carro.

Desci. Nada disse. Apenas cravei a faca debaixo de seu braço esquerdo.

"Mas... mas o quê?". Seu hálito exalava álcool insuportavelmente. A voz de um homem que gastava o dinheiro da comida de sua família para se embriagar. Por Deus, não teria a dignidade nem para dizer as suas últimas palavras em tom sóbrio?

"Cretino...", girei a faca, ouvindo seu último arquejo e sentindo seu quente sangue escorrer por minha mão.

Ninguém cruzava a rua.

Carreguei o corpo desacordado – morto –, deixando-o no banco de trás do meu próprio carro. Novamente notava um tom vermelho no brilho dos faróis. Rezem, seus filhos da puta! Rezem!

A cavalaria assassina conduzida por mim voltava a atormentar as ruas. Lenta e furtivamente... Lenta e furtivamente.

E outro homem bamboleava por onde não deveria. Circodema transformara-se em um circo de bêbados palhaços arriscando-se na maldita e sangrenta corda bamba.

Parei um pouco mais distante e, como o próprio carro – lenta e furtivamente – segui o homem por alguns passos. O desgraçado estava tão embriagado que nem me notara, tão próximo eu estava tão próximo que poderia ser a sombra. Mais três passos. Agarrei a cabeça do homem, torcendo-a e quebrando seu pescoço. Coloquei-o em meu ombro e voltei para o carro. No caminho, duas senhoras, postadas na esquina, começaram a me encarar.

"Meu tio!", sorri. "Acho que ele exagerou um pouquinho na dose!". Elas voltaram a conversar, como poderiam desconfiar de uma cena como aquela? Era comum jovens buscarem seus velhos batidos pelo álcool. Era comum.

Coloquei o segundo corpo junto ao primeiro e voltei ao volante, onde notei minhas mãos tremendo.

"O que diabos estou fazendo?", comecei a perguntar a mim mesmo.

Desviava do propósito, matando por motivo nenhum. Não fora este o pacto, o destino diria. Não estaria, eu, arriscando demais? E se fosse pego? Do que adiantaria ter a marca na história se fosse capturado? Se ele – e vocês sabem de quem falo – continuasse vivo?

Em meio as minhas incertezas, decidi que já era o suficiente. Tinha de ser.

Comecei a dirigir ruma à praça na qual imaginara toda a cena. Não a grandiosa Praça da Liberdade, ressalto, mas a modesta Praça dos Meninos, com suas muitas árvores grandes e antigas, sua quadra de futebol com as luzes queimadas e a placa enferrujada anunciando seu nome. Abandonada em meio a um bairro residencial, seria necessário muito azar para que alguém me visse. Além do mais, gostava do lugar. E o destino estava ao meu lado; sim, estava.

A força dos faróis diminuíra; senti um desapontamento no veículo. A máquina parecera ter criado vida e gosto pela coisa.

Na praça, tirava os homens do banco do carro quando, para meu extremo desgosto, notei um mendigo, tentando se aconchegar em meio às suas caixas de papelão. Quando o notei, nossos olhares se encontraram.

"Porra!"

O homem me olhava assustado, batendo os olhos nos dois corpos que estavam jogados ao chão, não sabendo o que fazer. Olhava-me como se estivesse vendo o próprio demônio e, de alguma forma, provavelmente esta era a verdade.

Ele se levantou e saiu correndo. Ele havia me visto e se distanciava.

Eu não tinha escolha. Saquei a pistola que estava na cintura e mirei em direção ao homem que corria, hesitando por um momento. Ele não tinha culpa. Meu coração disparava. Aquilo era diferente, cruzaria uma fronteira que eu não desejava cruzar. Meus princípios, ó Deus, meus princípios!

O homem tomava distância.

Disparei. Não tinha escolha. Disparei novamente. Ele reconheceria meu rosto. Meu próprio coração se estraçalhara – ou seria a consciência? Notar a queda do homem fez com que eu sentisse a própria humanidade se esvair. No que eu havia me tornado?

Tudo que arquitetara desapareceu da minha mente naquele momento. Estava em transe, não sabendo ao certo quem eu era. Todos os meus princípios foram derrubados com o homem que acabara de matar – tornara-me apenas mais um lunático assassino sedento por sangue. Qual deveria ser o meu próximo passo?

Virei-me para os corpos ao lado. Foi quando o próprio mundo desabou. Meu sangue congelou e meu coração por pouco não explodiu.

"EI! VOCÊ AÍ! DESGRAÇADO FILHO DE UMA PUTA! PERMANEÇA...", o negro homem fardado gritava.

Disparei em sentido oposto.

"EI! PARADO! MERDA!", o homem gritava.

Tudo foi ao chão. E eu corria, apenas corria como se uma avalanche viesse em minha direção.

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