Capítulo II - O Motivo e o Caminho / Parte 2: Tiros, Ela Disse Ter Ouvido

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A polícia nunca movia um dedo para fechar aquele bar de vagabundos. Não adiantava ligar ou reclamar, por mais que, dia após dia, os bêbados vagabundos continuassem com seus gritos, garrafas quebradas e a baderna de sempre. Já não bastava a insônia para manter-me acordada ao longo da noite, tinha que suportar aqueles desgraçados. Mas essa era Circodema; poucos bons homens mantinham-se longe da garrafa naquela cidade.

Nos meus quarenta anos, após passar o dia inteiro lavando banheiros e cozinhas de outras pessoas, e sem um homem para tirar a minha insônia, era difícil manter a calma. Estava deitada na cama, mantendo os olhos fechados até a noite se esvair, no momento em que ouvi barulhos que pareciam foguetes ou malditas bombinhas que alguns meninos compravam; foi o suficiente para fazer-me levantar. "Desgraçados!", saí gritando pela casa, procurando o telefone para gritar com os policiais uma outra vez. Mas havia algo estranho; nenhum outro barulho, nenhuma risada, nenhum grito. Acalmei o passo, repensando minha primeira ideia. E se eu estivesse errada? E se não fossem moleques vadiando pela rua? Um frio tomou meu peito. Precisava ter certeza. Minha janela – morava no segundo andar – ficava de frente para o maldito bar. Muitas vezes já colocara a cabeça para fora, amaldiçoando até a vigésima geração de todos os homens que lá estavam. A lentos passos, segui para a janela, torcendo para deparar-me com um bando de meninos e mandá-los alocar as malditas bombinhas onde o sol não bate, mas, ao mesmo tempo, temia algo mais, digamos, "complexo". E o que eu temia se concretizou. Claro que sabia as coisas que aconteceram pela cidade ao longo dos anos, mas nunca havia visto, sentido ou presenciado a morte; não daquela forma.

Quando abri a janela, presenciei o rapaz de camiseta longa cor de vinho lançando o rosto do pobre homem contra a calçada. Morto! Soube que ele estava morto no momento em que meus olhos depararam-se com a cena. Não eram foguetes ou bombinhas, eram tiros! Por Deus ... Tiros! O sangue banhava o pobre homem, espalhando-se pelo chão. Sentia a superfície da minha pele gelar e apenas não gritei porque temi que seria a próxima vítima do lunático rapaz se o fizesse. Com a mão na boca, saí da janela, fechando-a lentamente, evitando qualquer barulho. Meu Deus! Um homem morto em frente à minha casa! Em choque, corri para o telefone; assassinato era um chamado que os policiais não poderiam negar.

"Segundo Distrito...", uma voz masculina dizia. Em histeria, comecei a falar de forma incompreensível, interviu o homem. "Por favor, acalme-se!", ele disse, e eu o fiz. Tentei respirar fundo. "O que houve?"

"Um corpo! Ó, meu Deus, ele o matou! Eu consigo ver o sangue da minha casa!"

"Senhora..."

"Senhorita!", pontuei.

"Senhorita, acalme-se! Conte-me com calma o que houve."

"Havia barulho... Sempre há barulho naquela merda de lugar, e vocês nunca fazem nada! Mas isso não vem ao caso. Desta vez foram tiros! Pensei que fossem adolescentes com bombinhas, ou algo assim, mas quando abri a janela ele estava morto! Do lado da minha casa e morto! Meu Deus!" Não segurei as lágrimas.

"Acalme-se, por favor. Já estamos a caminho. Precisamos apenas do endereço."

Passei-lhe o endereço e ele me perguntou se conseguiria descrever o desgraçado. Como, por Deus, eu conseguiria? Apenas lembrava-me de sua camiseta cor-de-vinho de mangas longas, e isso já era o suficiente para me impedir de ter uma boa noite de sono. No dia seguinte, decidi que não valia a pena ficar naquela cidade e arrumei minhas tralhas, mandando-me para Presinde. Sempre há casas para se arrumar, independentemente da cidade em que você se encontra. Presinde, porém, polo industrial e educacional da região, apesar de ser uma cidade maior e muito próxima, não era conhecida pelas mortes macabras e violência, como Circodema já fora. Não iria ficar naquele lugar para ver os antigos dias voltarem, não depois de ver a morte tão próxima.

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