Capítulo IV - Charlie? / Parte 5: Edgar Visco

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Duas viaturas já se encontravam no local quando cheguei. Errei um pouco no freio, tornando-o mais brusco que o necessário e marcando a rua com a borrada dos pneus do meu carro. Desci do carro, ponderando os olhares e deparando-me com uma excêntrica figura. O Beco dos Ratos era conhecido por pessoas dos mais diversos tipos, das mais diversas índoles e de muito fácil reconhecimento. Um homem de moicano roxo, colete deixando à mostra uma tatuagem acima do quadril, uma calça de couro colada; o Beco dos Ratos sempre surpreende, pensava, reprimindo as partes mais conservadores de meu gênio e imergindo de forma mais concreta em meu passado policial.

***

Paul Thompson chegara nos minutos seguintes, deparando-se comigo esbravejando com um par de policiais frente a um dos inúmeros becos escuros.

Ao perceber que eu estava lá, veio ao meu encontro, diminuindo o passo quando notou que eu o aguardava.

"Fale para esses...", contive-me, respirando, "caros colegas me deixarem passar. Por Deus..."

Não sem esboçar um sorriso, o policial assentiu, seguindo junto a mim para o escuro beco de onde emergiram as más notícias. "Corpo", ela dissera ao telefone. Os rostos dos agentes que cercavam o local transpareciam a imagem de que nenhum deles estava preparado para a cena. A polícia de Circodema reformulara-se muito desde minha saída, o que me fazia sentir incomodado em meio aos novos e despreparados rostos. Esqueceram o rosto da cidade em que habitavam; o comodismo transformara o grupo em alguma coisa um pouco acima de agentes de trânsito.

"Aquele", um dos policiais começou a falar, apontando na direção contrária "homem, o de moicano roxo, identificou a vítima como Alex, mas não encontramos documentos." Será que a figura do Beco dos Ratos estaria envolvida? Voltei os olhos para o homem e segui adiante.

Posso dizer com convicção que nem em meus mais loucos sonhos e pensamentos em toda minha vida ocorreu-me uma cena tão inesperada e grotesca como a que presenciei.

"CHARLIE?", gritei, após alguns segundos de observação. "MAS QUE... PORRA!"

Uma mão escorou-se em meu ombro, fazendo-me virar.

"Charlie?", o policial perguntou. "Não era Alex?", tornou o olhar para os colegas, com o lábio torcido, gesticulando que não estava entendendo.

Continuei a encarar o corpo, boquiaberto. As calças arriadas, deixando tudo – bom, pelo menos tudo que sobrou – à mostra; muito sangue por entre as pernas, braços e toda a roupa; marcas de tiro no peito e abaixo do umbigo e um olho roxo que, bom...

"Você o conhece, Edgar?", Paul perguntou-me.

"Eu...", balançava a cabeça, buscando localizar-me. "Trabalhamos... Trabalhávamos juntos. Esse rapaz é Charles Keller, sobrinho de Eric Keller."

"Meu Deus...", Paul levou a mão à cabeça em resposta. Se para mim o ato parecia algo totalmente pessoal e destacava a aproximação de um inimigo misterioso, para Paul Thompson e os outros policiais significava a morte de uma pessoa próxima a um figurão da cidade; tais mortes causam um alarde extremo. Bêbados assassinados, tudo bem, era horrível, mas contornável. Agora, um Keller? Deus... Pessoas poderosas, ricas e influentes não aceitam serem expostas ao risco. "Isso não pode estar relacionado com..."

"O que é aquilo na boca dele?", intervi, esticando o braço, mas uma mão me impediu.

"Porra, Edgar. Isso é uma merda de uma cena de crime! Parece até que você nunca trabalhou com isso."

"Me desculpe...", o comentário me constrangeu. Agira por impulso.

"Onde está Rachel?", ele perguntou aos outros policiais.

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