32 | The Last Goodbye

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Olho para o relógio. A hora não passa. Faz exatamente quatro horas que meu pai saiu e parece uma eternidade. Pra mim pelo menos. Maia está dormindo na cadeira de espera faz umas cinco horas. O hospital inteiro parece estar dormindo, a não ser pela recepcionista e os médicos que às vezes passam pelo corredor.
O silêncio é quebrado quando uma música da Britt Nicole começa a tocar, vou até a recepção.
— Licença — a recepcionista levanta a cabeça e me encara — Que horas são?
Ela olha para o computador rapidamente e volta o olhar para mim.
— 3:45, senhora. Feliz natal!
— Obrigada. — sorrio ainda me sentido estranha por ser chamada de senhora, ela retribui. — Posso ver minha mãe?
Ela hesita antes de responder.
— Claro. — uma mulher aparece e deixa uma papelada em cima do balcão, encarando a recepcionista — Os documentos dos pacientes do quarto andar.
Olho de relance para ela e a conheço de cara. É a mesma enfermeira que me olhou como se eu fosse um fantasma o outro dia.
— Vem comigo. — ela faz um movimento com a cabeça e sai pelo corredor, a sigo sem falar nada.
Pegamos o elevador e saímos no corredor do quinto andar.
— Você me conhece? — paro e viro pra ela, ela para um pouco mais a frente.
— O que você quer dizer? — algo no seu tom soa nervoso. A encaro.
— Quero dizer que nenhuma enfermeira em sã consciência ia deixar eu vir aqui agora. Por que você ta fazendo isso?
— Pela mesma razão que você perguntou para a recepcionista mesmo tendo tanta certeza que ela falaria não. — não respondo. — Podemos continuar agora?
Balanço a cabeça. O corredor parece mais longo que o normal, não falo nada até chegarmos no quarto.
— Não precisa se apressar. A vida nos surpreende.
Ergo uma sobrancelha e entro sem falar nada. O quarto ainda esta do mesmo jeito, a não ser pela bandeja de remédios em cima da mesa. Me aproximo da maca e sento.
— Feliz natal, mãe. — pego sua mão. — Foi um dia difícil, huh? — pressiono o lábio superior sobre o inferior — Maia e Justin estão juntos, sabia? Eu meio... que briguei com ele — rio de leve e suspiro — é estranho, difícil... preciso de você.
— A verdade é difícil, Cam.
Sinto meus olhos se encherem de lágrimas, ela abre os olhos e sorri.
— Quanto você ouviu?
— Tudo. — ela me encara e sorri — Uma mãe sempre esta ouvindo seu filho.
Sorrio.
— Eu não sei o que falar.
Ela levanta a mão com dificuldade e acaricia meu rosto.
— Sabe aquela foto na estante da sala? Você e o seu pai observando os golfinhos no píer? — ela continua antes que eu afirme — Você amava vê-los, desde pequenininha. Você os chamavam de "os animais mais felizes do mundo", porque eles estavam sempre pulando, fazendo barulho e jorrando água.
Não falo nado, apenas a espero.
— Outro dia a levamos ao aquário — ela continua — você estava tão animada para vê-los de perto, mal podia esperar. Mas quando chegamos, não foi como no píer. Os golfinhos estavam lá, claro, mas ficavam apenas parados no vidro, não subiam para pular, mal nadavam. Passamos horas esperando que pelo menos um deles pulassem. Quando fomos embora, você me perguntou por que eles não estavam pulando. Eu não respondi, embora soubesse a resposta.
Aperto levemente sua mão.
— Você era apenas uma criança, não entenderia. Mas hoje, não só entende, mas como passa pela mesma coisa que eles.
Pressiono os lábios, segurando as lagrimas.
— Os golfinhos não estavam felizes, de fato. Eles sabiam que não estavam em um mar de verdade. Provavelmente não compreendiam como aquilo tinha acontecido, como tinham ido parar ali. Mas pareciam entender que estavam em uma jaula e que não tinham como sair dali. Aquela não era a vida que mereciam ou queriam levar, mas não havia nada que pudessem fazer.
Ela solta um suspiro antes de continuar, sua mão vai de encontro a minha.
— A única diferença, é que você pode fazer algo a respeito. — prosseguiu ela — Você é tão jovem, garotinha. — ela da um sorriso cansado — Existem tantas coisas que você ainda não fez, tantas experiências que ainda não teve. Como a satisfação de terminar a faculdade, a emoção de comprar uma casa, a alegria de conseguir um bom emprego... — ela da uma pausa, sua voz soa cada vez mais cansada — Você ainda pode fazer todas essas coisas. Claro que vai cometer erros e ter que lutar, como todo mundo, mas quando estiver ao lado da pessoa certa, sentirá uma felicidade quase completa, que fará você esquecer de tudo isso. E, no fim das contas, toda essa dor, não vai significar nada. Porque você ainda vai estar viva e isso significa que irá tentar novamente, que irá amar e ser amada. E, no fim, isso é tudo o que importa.
Ela levanta a mão com dificuldade, pego e a levo até meu rosto.
— Eu olho para você, e vejo uma eternidade de luz. Mas também vejo que mesmo com toda essa luz, você está na escuridão. — ela pisca e por um instante acho que ela não abrirá mais os olhos, mas ele abre uns instantes depois e os fita em mim — Você sofreu mais do que qualquer garota da sua idade, mas isso não é motivo para você continuar nessa escuridão. A vida sempre acaba, mas essa é a razão de não aproveita-lá?
Suas pálpebras parecem pesadas e sua expressão cada vez mais cansada. Meus dedos começam a ficar dormentes enquanto seguro sua mão sobre meu rosto, mas não quero tirá-la. Ela a mexe suavemente, trazendo arrepios pelo meu rosto.
— Aquele garoto, Justin... ele te ama tanto. — ela da um sorriso fraco — Quando você estava aqui, no hospital, eu cheguei primeiro que o seu pai, fui a primeira a te ver pelo vidro. Mas não vi apenas você, ele estava ao seu lado. Ele sabia que não poderia estar ali, mas mesmo assim estava. — seus olhos mesmo cansados, adquirem um brilho — Ele estava segurando sua mão com as duas mãos, tão delicadamente... e haviam lágrimas nos seus olhos. — fecho os olhos e suspiro, quase imaginando seu toque — Ele ficou apenas alguns minutos ali, antes que alguém o descobrisse. Quando ele saiu, eu conversei com ele. Eu nunca o culpei pelo que aconteceu, não foi culpa dele.
Ela pisca e novamente penso que ela não ira mais abrir os olhos, mas ela abre e continua.
— Lembro que enquanto conversávamos, ele me perguntou "o que você faria se toda a luz da sua vida fosse tirada de você?" — ela me encara, seus olhos lutando para continuarem abertos — Eu não sabia como responder. Sabia o que ele queria dizer, e a primeira coisa que veio na minha cabeça foi o seu pai. Você sabe que nunca fomos um casal, um casal exemplar, quero dizer. Às vezes nem éramos um casal. Mas ele nem sempre foi assim, eu o perdi anos atrás para o trabalho e ele era minha luz. O único que me iluminava quando eu não tinha mais forças. E eu me vi em Justin, o quanto ele desejava que você acordasse, o quanto ele queria poder falar com você. Eu sei que foi tudo muito difícil pra você, mas e pra ele? Foi mais do que difícil. Ele esperou tanto pra você acordar, tanto para te abraçar, tanto para poder falar tudo o que nunca tinha falado, tudo o que ele me falou. E quando você finalmente acordou, ele não podia. Podia mas não devia. Simplesmente não devia, porque você não iria lembrar e provavelmente o chamaria de louco. Mas você era a luz dele, mesmo naquela maca, ele podia não saber mas eu sei que era. E ainda é. E uma luz tão forte não pode ser apagada tão facilmente. Ele ama você, da maneira dele mas ama. E não o culpe se ele não demonstrar, ele tem todos os motivos para não demonstrar. Ele não perdeu apenas o grande amor naquele dia, ele perdeu ele mesmo. E de alguma maneira, ele ainda tenta se encontrar em você. Você pode ter medo de se perder nele, mas ele também tem. Ele é um ser humano assim como você. Mas vocês se acham em cada um. E isso é o que importa.
Não percebo que estou chorando até soluçar. Sua mão cai sobre a maca e eu a seguro.
— Você merece todo o amor do mundo, Cam. — ela da uma pausa — E eu nem sempre vou poder estar aqui para te dar, nem o seu pai. Então acredite no seu coração, viva a sua vida, ame quem você quiser, se entregue a quem você quiser. É a sua vida, garotinha. Sempre vou estar orgulhosa de você, sempre vou estar bem aqui. — ela levanta a mão até o meu peito esquerdo, mas logo depois sua mão cai sobre a maca. Ela fecha os olhos e sua voz soa baixinho: — Eu te amo, garotinha.
Ela suspira, e bem no fundo, sei que é o seu último suspiro.

The Second ChanceOnde histórias criam vida. Descubra agora