QUARENTA E SETE

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Capítulo Quarenta e Sete

Os gemidos vindos do lado de fora eram nada menos do que insuportáveis. Com o travesseiro tapando os dois ouvidos, Atena não sabia se chorava, gritava ou ia até o quarto de Poseidon e cortava sua cabeça fora.

As malditas paredes daquele palácio eram feitas de quê? Papelão? Estivera ouvindo aquele barulho infernal desde as três da manhã, com curtíssimos intervalos de silêncio, e agora já passava das seis.

Na dúvida, preferiu tentar conter seus instintos assassinos quanto ao deus dos mares - afinal, estava generosamente hospedada no palácio dele, e ele tinha o direito de fazer o que quisesse ali -, e saiu do quarto quando decidiu que não aturaria aquele som por mais um minuto sequer. Envolveu seu pijama em um roupão fino, seguindo às pressas para o sossego do jardim.

Ainda era muito cedo, e por isso Atena encontrou pouquíssimos criados circulando pelo palácio. Os que passaram por ela não lhe deram um segundo olhar ao vê-la de pijama, fosse porque não se importavam ou porque tinham medo de olhar por muito tempo para ela.

O sol - ou qualquer que fosse o luminar diurno do fundo do mar - iluminava as plantas exóticas e coloridas do jardim, dando uma vista de se tirar o fôlego. O mar de vegetação arco-íris se estendia por metros e metros até os portões de ouro que guardavam o palácio. Às costas de Atena, a construção de mármore branco e cristal brilhava como milhões de diamantes. E metros acima, Poseidon estava com outra mulher.

No fim das contas, Atena não era especial como pensava. Fora tratada apenas como todas as outras mulheres com as quais ele flertava; a diferença é que não tinha ido para a cama com ele.

Se ao menos tivesse seguido seus instintos iniciais, pensou, e o afastado antes mesmo de se aproximar, nada disso teria acontecido. Teriam uma relação distante como nos velhos tempos, e a missão já estaria finalizada há dias. Atena estaria de volta ao Olimpo, com sua paz e conforto, e pelo menos teria trabalho o suficiente para distraí-la de sua vida miserável - como havia feito por todos esses milênios.

Atena seguiu até uma colina ao lado do palácio. Odiou a forma como se sentiu melancólica, ao pensar que agora era outra, provavelmente uma náiade cujo nome seria esquecido em poucas horas - se é que ainda não havia sido - e cujo lugar na cama de Poseidon era o mesmo que Atena havia ocupado, com os braços do deus ao redor de sua cintura e os lábios em seu pescoço, que desfrutava da presença dele.

Era engraçado aquele sentimento. Atena nunca havia pensado em Poseidon como seu, e tinha certeza de que ele também nunca havia pensado o contrário. Ele não era sua propriedade, não devia nada a ela. Ainda assim, como podia estar tão incomodada por pensar nele com outra pessoa? Por que se sentia tão traída?

Mas Atena não chorou. Embora sentisse que seus olhos ardiam e seu coração pesava uma tonelada, já havia chorado mais do que sua dignidade permitia. Só ficou ali, sentada e quieta, observando a movimentação da cidade ao longe, e por um instante, o barulho de outras vidas acontecendo fizeram com que ela se esquecesse da sua.

Um sino soava no centro da cidade quando a deusa resolveu se levantar e voltar para dentro do castelo. Talvez fosse meio-dia. Era difícil ter noção do tempo por ali. Mas por mais triste que estivesse, precisava trabalhar. Assim, além de proteger o Olimpo e o Acampamento, sairia de perto de Poseidon mais rápido.

Tal pensamento foi tudo o que lhe deu forças para colocar um pé na frente do outro e caminhar até o escritório de Poseidon, onde tinha esperanças que suas anotações tivessem sido guardadas depois da discussão desastrosa que tivera com ele.

Se surpreendeu ao encontrar o deus ali de pé, já perfeitamente vestido, revirando entre as gavetas abertas. Ele se virou ao ouvir o barulho da porta batendo e abriu um sorriso para Atena ao vê-la.

Três Desejos - concluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora