CINQUENTA

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A primeira coisa que Atena sentiu foi o frio. A temperatura enregelante de um ambiente sem vida era sempre o mais notável no Submundo. Atena se xingou por não lembrar de pegar um casaco antes de sair. A segunda coisa foi a escuridão; exceto por algumas tochas flamejantes, o palácio de Hades tinha pouca iluminação. Atena teve que apertar os olhos para se adaptar à falta de luz enquanto procurava por qualquer sinal de Hades.

Ela apareceu no salão dos tronos, o primeiro cômodo a ser acessado por visitantes em palácios divinos, mas ela já suspeitava que não encontraria o deus do submundo ali. Nenhum deus realmente gostava de ficar sentado em um trono desconfortável atendendo visitantes a menos que fosse estritamente necessário.

Uma forma pálida se materializou ao lado de Atena. Era um pouco mais alta que ela e tinha a aparência de uma mulher, mas seu corpo era praticamente transparente, de forma que Atena conseguia ver a parede através dela. A deusa já era familiar com as Sombras que trabalhavam para Hades, assim como as Sombras eram familiares com ela, então nenhuma das duas exibiu surpresa.

- Como posso ajudá-la, minha senhora? – indagou a Sombra no que soava como um eco do que um dia foi uma voz humana.

- Sabe onde posso encontrar Hades? – perguntou Atena.

- Sua majestade está na sala de jogos – informou a Sombra.

- Obrigada – Atena meneou com a cabeça e fez o caminho já familiar até o local indicado.

A deusa da sabedoria havia estado no salão de jogos do palácio muitas vezes. Era um dos lugares preferidos de Hades - ela suspeitava que isso fosse porque havia um pequeno jardim ali, com plantas da superfície que eram mantidas vivas apenas pela magia de Perséfone. Quando visitava o rei do Submundo, costumava passar algumas horas jogando xadrez com ele debaixo de uma oliveira.

Nos tempos antigos, Hades se sentia muito sozinho durante o verão, quando Perséfone era obrigada a voltar para o mundo dos vivos, e a deusa da sabedoria tinha a compaixão de fazer companhia a ele. A alguns séculos, no entanto, Perséfone já não retornava para a superfície no verão. Ela preferia o Submundo ao Olimpo, e Deméter por fim aceitou esse fato. Quando sentia muita saudade, a deusa da colheita acompanhava a filha ao Mundo Inferior, mas este era um evento raro, porque ela mal podia suportar o genro.

De fato, quando Atena alcançou a porta do salão de jogos, Hades estava lá dentro, sentado em uma pequena mesa quadrada debaixo da tradicional oliveira como se fosse a própria morte.

Tudo nele fazia perfeito jus ao seu título de Rei dos Mortos, desde o smoking completamente preto que ele vestia o tempo todo até os cabelos escuros perfeitamente penteados para trás. Sua postura imponente e o olhar de pedra causavam tremores em qualquer um - inclusive em Atena, no início. Agora que já era acostumada com ele, a deusa só tremia de vez em quando.

Do lado oposto da mesa, sentava-se também o perfeito oposto de Hades. Uma figura feminina pequena e franzina, em um vestido verde vibrante e envolta pela áurea brilhante e cheia de vida de uma deusa da natureza. Perséfone era mesmo um ponto de luz em meio à escuridão do Submundo. Ela estava de costas para Atena, com os olhos fixos na mesa – onde, Atena reparou após um curto tempo, havia um tabuleiro de xadrez.

A deusa parou na porta, observando silenciosamente o precioso momento que o casal dividia. Por muito tempo, ela admirou e até invejou o relacionamento deles. Hades e Perséfone eram um raro - na verdade, talvez o único - exemplo de amor verdadeiro entre os deuses casados. Os únicos que verdadeiramente apreciavam a companhia um do outro, se respeitavam, se defendiam e cujo casamento nunca foi um motivo de briga no Olimpo.

Atena nunca acreditou que pudesse ter algo daquele tipo sem que seu mundo desmoronasse. Nunca acreditou que tivesse sido feita para aquela felicidade tão ínfima de amar e ser amada, de ter uma companhia em todo o tempo.

Três Desejos - concluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora