QUATORZE

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Capítulo Quatorze

Era praticamente a primeira manhã quente na ilha Dauphine desde que haviam chegado ali, o que era surpreendente, considerando que não estavam assim tão longe do Equador, mas talvez todo o clima polar se devesse à proximidade dos titãs - ou ao mau humor dos mesmos. A presença deles tinha grande influência sobre qualquer lugar onde estavam (geralmente negativa).

O sol fraco da manhã atravessava as cortinas brancas quase transparentes e atingia o rosto de Atena de uma forma um tanto incômoda. Ela piscou os olhos rapidamente e por diversas vezes até que se acostumasse à claridade, para só então se esticar preguiçosamente na cama que, a essa altura, só exibia um espaço vazio e gelado no lugar onde Poseidon estaria deitado, mas Atena sabia que ele não estaria ali. Poseidon sempre acordava mais cedo do que ela, normalmente por volta das seis da manhã, enquanto Atena acordava às oito. Era quase uma vergonha para ela admitir que Poseidon tivesse um hábito minimamente mais saudável, mas, depois de tantos séculos sem saber o que era uma boa noite de sono, quando finalmente teve a oportunidade de dormir, Atena supôs que seu corpo mal conseguisse se controlar.

Ao se levantar da cama, abriu todas as cortinas e os vidros das três enormes janelas que iam do teto ao chão, incluindo uma que dava para a varanda do quarto. Em seguida, tomou um banho muito longo, como era de costume, e em mais ou menos meia hora estava devidamente vestida e pronta para encarar mais um dia na companhia estranhamente agradável de Poseidon.

Havia se passado cinco dias desde o episódio da praia (talvez o evento fosse receber esse nome oficialmente), e a convivência entre Atena e Poseidon vinha sendo pacífica como jamais havia sido. A deusa da sabedoria acabou por se acostumar com Poseidon, com seus trejeitos, suas manias, sua rotina. As coisas que no primeiro dia da missão fizeram sua cabeça doer, agora eram apenas hábitos aos quais ela havia se acostumado. E o deus dos mares compensava tudo isso sendo extremamente gentil nos últimos dias.

Atena podia ver como ele também se esforçava para entender a rotina dela e se adaptar para evitar as brigas constantes que costumavam ter. A deusa tinha que admitir que era menos fatigante - e até interessante - viver daquele jeito. Nunca imaginou que um dia saberia o horário em que Poseidon acordava, o que ele gostava de comer no café da manhã e que tipo de programas de televisão gostava de assistir, mas de repente se pegou tendo a resposta para todas essas coisas. Nunca imaginou que deixaria de se incomodar com o hábito dele de andar sem camisa pela casa, ou como ele levava uma hora inteira no banho, mas agora sua mente simplesmente registrava aquilo como "irritante" e Atena se mantinha calada.

O que levou mais tempo para acostumar foi dividir uma cama com Poseidon. Eles podiam fazer todo o resto das atividades distantes um do outro, mas quando deitavam para dormir, estavam limitados ao espaço de um colchão. Atena não conseguiu se acostumar rápido com a vulnerabilidade de dormir perto de alguém, especialmente quando esse alguém era o deus dos mares. Parecia íntimo e intrusivo demais. Mas até a isso ela se acostumou. Já não levava mais tanto tempo para dormir, e já não acordava mais com dores no corpo por ficar imóvel a noite toda, temendo se aproximar de Poseidon.

Ela teve uma surpresa ou outra. Apesar de ter o sono leve, Poseidon se mexia a noite inteira. Mais de uma vez, Atena acordou sentindo a mão dele em cima de seu braço ou em sua cintura. Na primeira vez, ela pensou que ele estava acordado e se virou pronta para chutá-lo para fora da cama, mas quando constatou que o deus estava em um sono profundo, não teve coragem de acordá-lo. E por mais atípico que fosse, Atena se acostumou com aquilo também. Seu corpo já não se retesava todo quando sentia a mão de Poseidon sobre si no meio da noite.

Os dois também haviam parado de vigiar a ilha dos titãs há dois dias, como combinado. Já tinham o máximo de informações possíveis sobre as criaturas que circulavam por lá, embora não muita coisa fizesse sentido. Alguns titãs eram fixos e cumpriam as mesmas tarefas todos os dias, como os que rondavam as florestas. Já algumas outras criaturas - não titãs, porque a áurea dessas era diferente -, que protegiam um chalé de madeira bem no centro da ilha, eram um mistério para os deuses. Eram criaturas diferentes todos os dias, nunca com os mesmos turnos e nunca com as mesmas aparências. Nem Atena nem Poseidon conheciam a maioria delas. Era como se o líder dos titãs, fosse quem fosse, encontrasse monstros que nunca existiram para lutar por ele.

Também havia essa questão - o líder dos titãs. Os deuses não faziam ideia de quem poderia ser. Tinham um palpite de que ele se escondia no chalé de madeira o dia inteiro, já que nunca haviam visto seu rosto. Também não podiam invadir o chalé sem chamar a atenção de todas as criaturas da ilha, que claramente trabalhavam para fazer a proteção daquela única construção, então por ora, estavam de mãos atadas. Dividiam agora o tempo livre das tardes entre estudar estratégias de ataque e defesa e ensinar Atena a lidar com os mais novos poderes de controlar os mares.

Ela até que estava lidando bem com a novidade; Atena nunca havia tido um domínio daquele porte na vida, e precisava admitir que era surreal tudo o que conseguia fazer agora, desde subir o nível do mar até causar furacões e terremotos. Poseidon também parecia se divertir vendo-a aprender a controlar seus poderes como uma criança aprendendo a andar, e dizia achar divertido ter alguém com quem dividir seus domínios.

Terminando de abrir todas as janelas do quarto, Atena desceu a escada para o andar de baixo. Encontrou Poseidon sentado no sofá da sala, assistindo televisão com seu café da manhã colossal, como fazia todos os dias. Seu olhar pairou sobre a escada quando ele ouviu os passos de Atena.

- Bom dia, amor - ele disse distraidamente assim que ela estava a uma distância curta o suficiente para ouvi-lo.

Atena ainda estava se acostumando com o apelido que ele insistia em não largar, mas retribuiu o cumprimento em tom baixo, porém audível, e logo se dirigiu à cozinha. Pegou as mesmas comidas de sempre - cereal, algumas bolachas e suco - e começou a comer ali mesmo, sobre a ilha no meio da cozinha planejada.

O barulho da TV estava excepcionalmente alto naquele dia, e Atena soltou uma risada baixa ao perceber que Poseidon assistia ao noticiário da manhã - um hábito tão simples, tão humano -, mas logo parou quando entendeu por quê ele estava assistindo. A voz masculina do apresentador chegou como uma pancada em seus ouvidos:

"...as autoridades locais ainda não possuem evidências da verdadeira causa do desastre. Os meteorologistas de Nova York começam hoje uma série de pesquisas para descobrir a origem da chuva de meteoros sobre Long Island, e como tal coisa aconteceu sem que houvesse previsão alguma. Segundo o delegado local, Henry Turner, a inesperada chuva, que aconteceu na madrugada desse sábado, perto do Estreito de Long Island, apesar de longa e intensa, não atingiu ninguém. Agora acompanhamos a transmissão ao vivo da arena..."

Esse foi o ponto onde Atena já não prestava mais atenção. Os titãs. Só poderia ser um deles, e um tão poderoso a ponto de conseguir interferir nos domínios de seu pai. E o pior era que, se algum campista tivesse sido atingido, o noticiário não saberia, e tampouco poderia informar. De repente, o coração de Atena apertou por seus filhos, presos naquele lugar, principalmente por Annabeth, que estava no começo de suas férias de inverno. Lá no fundo, uma pontada de preocupação a atingiu até mesmo por Percy, e ela sabia que era nele que Poseidon pensava ao ver uma notícia como aquela.

Com o apetite cortado, abandonou toda a comida sobre a bancada e foi para a sala. Poseidon já não comia mais, e também não parecia prestar atenção ao que a televisão exibia. Seu olhar recaiu sobre Atena.

- Você ouviu?

Atena assentiu.

- Foram os titãs - Poseidon constatou, assim como ela. - Estão atacando o Acampamento.

- Eu sei - disse Atena, e a frase seguinte deixou seus lábios sem nenhuma hesitação. - Nós precisamos ir lá. Quero saber se meus filhos estão bem.

Poseidon hesitou.

- Tem certeza disso? Sabe que seu idolatrado pai nos proíbe de visitar nossos filhos, não sabe? - ele perguntou. - Não que eu me importe, mas e quanto a você?

- Não dou a mínima para o que meu pai acha que me proíbe de fazer. - Atena estalou a língua. - O Acampamento foi atacado e eu vou ver meus filhos, quer ele aprove ou não.

Poseidon soltou sua bandeja de café da manhã e se colocou de pé.

- Se a princesinha do Olimpo está dizendo...

Atena rolou os olhos. Poseidon estendeu uma mão para ela. A deusa levou um segundo para entender o que ele queria, mas logo em seguida depositou sua mão sobre a dele, e rapidamente, num flash de cores e sons, já não estavam mais na casa de praia.

Três Desejos - concluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora