TRÊS

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Capítulo Três

Sua cabeça e suas veias latejavam. Como podia um único deus ser tão insolente, petulante e audacioso como Poseidon? Nem Ares conseguia deixá-la irritada com tanta facilidade, e olha que ela passava grande parte do seu tempo brigando com ele no Olimpo. Com Ares eram sempre brigas quase sem sentido, provocações aleatórias que, ou terminavam em gritos do deus da guerra e um sorrisinho vitorioso no rosto de Atena, ou em Zeus brandindo o raio-mestre e dando um fim à confusão. Com Poseidon, no entanto, era muito diferente. Estavam juntos há menos de uma hora e ele já havia conseguido despertar nela um ódio que ela levava anos para acumular contra alguém, um ódio real e profundo que fazia com que ela perdesse o domínio de sua racionalidade toda vez que brigava com ele.

Se bem que, ela pensou, a cena que havia acabado de acontecer nada mais era do que uma explosão do ressentimento que já existia entre eles há milênios, e estava acumulado em seu peito por anos. Na verdade, Atena duvidava muito que aquela mágoa um dia desaparecesse ou ao menos diminuísse.

A água quente do chuveiro escorrendo por suas costas foi o alívio de que Atena precisava. O calor parecia tirar todo o peso da raiva de seu corpo junto com o frio da água que Poseidon havia atirado nela. Atena ficou lá por mais tempo do que o necessário. Não tinha pressa alguma para ver Poseidon de novo, e a água acalmava seu espírito. Quando finalmente saiu, viu pelas enormes janelas transparentes que o sol já estava quase no meio do céu. Sua barriga roncava de fome, já que Atena havia saído de casa sem comer de manhã (havia, ingênua como era, esperado que Poseidon e Zeus fossem pontuais), mas como ela não estava nem um pouco ansiosa para ficar perto de Poseidon de novo, preferiu se trocar sem pressa e desfazer todas as suas malas antes de descer para almoçar. Ela escolheu uma roupa lentamente, penteou os cabelos com paciência e separou uma metade do guarda-roupa para guardar suas roupas. Felizmente, a tarefa de pendurar todos os vestidos nos cabides e guardar todo o resto das peças nas gavetas levou bastante tempo, e Atena tinha esperanças de que, quando descesse as escadas outra vez, a raiva entre ela e Poseidon já tivesse esfriado e eles conseguissem dividir um cômodo sem brigar.

Ela conferiu sua aparência no espelho uma última vez por costume antes de tomar coragem para ir para o andar de baixo enfrentar a fera. Atena desceu a passos sonoros pela escada, dando para Poseidon a chance de ir para outro lugar caso quisesse ficar longe dela (algo pelo qual ela se sentiria muito grata), mas quando pisou os pés na sala, o deus dos mares estava lá, sentado tranquilamente no sofá, os olhos cravados na televisão enquanto comia um salgadinho que sabe-se lá de onde havia vindo. A deusa se sentou do lado oposto ao dele, quieta, olhando de soslaio para aquela porcaria que ele comia enquanto seu estômago roncava. Ela não sentia cheiro de comida vindo da cozinha, e com a fome que sentia no momento, estava em sérios apuros se não arranjasse logo um jeito de se alimentar.

- Você não vai almoçar? - ela perguntou, tentando soar indiferente. Sua tentativa claramente falhou, porque Poseidon olhou para ela com as sobrancelhas erguidas.

Para quem estava prestes a matá-lo segundos atrás, Atena entendia que sua pergunta soara bastante estranha.

- Não - ele respondeu simplesmente, a voz muito lenta. - Por que a pergunta?

- Nada - Atena respondeu de imediato, se recostando no sofá. - Só curiosidade.

O silêncio pairou entre eles, nada além do som da televisão preenchendo o ambiente, mas Atena não estava realmente prestando atenção ao que passava. Seu estômago roncou sonoramente outra vez, e ela, sem aguentar mais, rumou para a cozinha. Teria que se virar de algum jeito.

Atena abriu todos os armários e olhou para todas as panelas, mas nada parecia ter uma utilidade direta ali. Tudo o que ela sabia era que os ingredientes iam dentro das panelas, e que deveria ligar o fogo. Não tinha tempo para coisas triviais, como cozinhar, no Olimpo. Todas as refeições eram feitas e servidas pelos criados de cada palácio, e Atena se limitava a comer apenas no almoço e no jantar, que era quando todos os olimpianos se sentavam juntos à mesa. Nunca havia dado atenção especial à culinária. Nunca teve essa necessidade.

Três Desejos - concluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora