I
A casa sempre existira. Desde tempos imemoriais ela estivera lá. Até o mais antigo dos moradores da região lembravam-se dela desde sempre. E desde sempre fora assim, daquela forma. Velha, vazia, assustadora. Uma presença fantasmagórica lançando sua sombra sobre a vizinhança tranquila de casinhas bonitinhas, com belos jardins e cercas brancas de um bairro residencial em uma cidade pequena do interior de São Paulo.
A estrutura externa da casa era feita metade de tijolos e metade de madeira, ambas as partes em péssimas condições. Os tijolos já enegrecidos e adornados por enormes plantas trepadeiras que tomavam conta de boa parte da construção. A parte de madeira mostrando os sinais do tempo na cor e nas pequenas partes deterioradas pelos cupins e pelas interpéries. Houve um tempo em que se faziam apostas sobre quando a casa cederia, já que chuvas fortes e vendavais eram comuns da região. Mas com o passar dos anos as apostas foram perdendo o sentido. Os apostadores todos caíram muito antes da casa dar qualquer sinal de que cederia algum pedaço de si.
O telhado também era feito de madeira, pequenos quadrados lado a lado, presos por enormes pregos enegrecidos. Aqui e ali era possível notar, caso alguém olhasse de cima, que uma ou outra parte havia se deslocado, abrindo pequenas fendas no teto. Mas ninguém nunca olharia a casa de cima. Não por um bom tempo, pelo menos. O que as pessoas podiam ver era apenas uma parte, toda verde do limo que a cobria bem como de folhas apodrecidas que caíam das enormes árvores do quintal.
Até as janelas eram feitas de madeira, estas muito bem entalhadas, assim como as portas. Todas estavam fechadas, algumas provavelmente por dentro. Em outras das janelas era possível notar algumas tábuas, igualmente em péssimo estado, que pelo lado de fora foram pregadas por cima dos batentes. Quem o fez, ninguém nunca soube. Da casa nada se sabia, na verdade. Apenas que estava ali e provavelmente continuaria ali para sempre.
O tamanho dela era bem grande, tomando boa parte do quintal, que também era muito maior do que o dos atuais terrenos vendidos na cidade. Um padrão de outra época. Provavelmente já fora muito maior. Possivelmente aqueles poucos que se atreveram a construir suas casas ao lado daquela também não se incomodaram em pegar uma "partezinha" daquele terreno ocioso. Não que alguém fosse admitir qualquer coisa. Ninguém perdia muito tempo falando sobre a casa, de qualquer forma. Tanto tempo ela estava ali que se tornou apenas mais uma parte do ambiente. Era como se as pessoas mal a percebessem. Se um dia sumisse, talvez ninguém nem seria capaz de notar, apenas ficaria aquela sensação de algo faltando, mas sem se saber exatamente o que era.
Quantos cômodos havia ali dentro ninguém saberia dizer exatamente. Assim como ninguém tinha noção do que a casa continha em seu interior. Não se sabia sobre que cores suas paredes tinham ou que objetos e detalhes a adornavam. Isso porque ninguém (além dos misteriosos donos) nunca entrara ali dentro. E se entrara nunca contara nada a ninguém.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Rabiskos
RandomTentativas de trabalhar a escrita, através de temas variados, textos curtos, sem grandes compromissos, sem prazos ou metas, apenas aproveitando qualquer inspiração que surgir. Também posso revisitar algumas histórias ou poemas meus, publicadas em ou...