Menino-vagalume

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-Shhh! – Ele sussurrou com o dedo nos lábios num sinal universal de silêncio. Eu nem precisava ver o contorno exato de sua mão para entendê-lo, portanto fiquei quietinho. O mais quieto que uma criança de quatro anos consegue ficar numa noite escura de verão, enquanto caça vagalumes com o irmão mais velho. Ao contrário de todo mundo da região, ele não os chamava de pirilampo. Dizia que vagalume era mais bonito e eu concordava, porque era meu irmão quem havia dito. Eu me fiava muito na visão do meu irmão sobre as coisas, desde sempre. E mesmo depois de ter aprendido o nome correto desse pequeno inseto luminoso, eu continuaria a vê-los como vagalumes.

Naquela noite quente, prosseguimos em silêncio, sua mão segurando a minha e me ajudando a passar por segurança pela trilha que ele, caçador de vagalumes experiente, já conhecia tão bem que conseguiria atravessar sem percalços mesmo que a luz fraca da pequena lanterna que carregava se apagasse.

Eu estava extremamente excitado, era a primeira vez que ele me levava junto. Até então eu havia tido que me contentar com os pequenos presentes luminosos que ele me trazia nas noites de verão e que debruçados na janela, soltávamos para a escuridão. Ele também me presenteava com histórias de suas aventuras secretas, desde o momento em que ele sentiu que poderia confiar na minha discrição. Nossos pais não sabiam muito sobre aquelas fugas noturnas e com certeza não aprovariam.

Nós morávamos em uma cidade pequena e não muito longe da nossa casa, que ficava numa área mais rural do que central, uma pequena floresta, feita de plantas rasteiras e algumas árvores esparsas podia ser alcançada pela pequena trilha que cruzávamos. Os maiores perigos daquele lugar eram alguns animais peçonhentos que porventura poderiam também estar em sua rota de caça, ou o terreno acidentado que costumava ocasionar alguns tombos onde o ego saía mais ferido que o corpo.

Naqueles verões da minha primeira infância, os medos ainda eram infantis e qualquer mal que houvesse podia ser dissipado com uma palavra doce da minha mãe ou ainda com o aperto forte e protetor da mão do meu irmão na minha. Mesmo tendo apenas oito anos, ele era o meu herói imediato, mais do que meu pai que, sisudo e pouco presente, se mostrava uma presença difícil de alcançar.

Luciano, ou meu Lulu, como eu costumava chama-lo, era uma alma livre. Desde pequeno era muito independente e adorava aventuras. Também era apaixonado pelos vagalumes. Tinha vários livros sobre eles, dos mais científicos aos mais poéticos. E os lia para mim, bem baixinho, quase cochichando, nas noites mais frias quando ao invés de estar lá fora caçando tesouros luminosos, montava comigo uma pequena cabana feita de travesseiros e cobertores que nos protegeria do frio e de qualquer monstro noturno. Com sua lanterninha, ele iluminava os livros coloridos e me mostrava figuras que eu já vira mil vezes. E sempre parecia como se fosse a primeira. O mesmo encanto pairava no ar. O dele para com o assunto, e o meu pela sua forma de me contar as coisas.

A certa altura da noite, eventualmente nossa mãe descobria nosso pequeno esconderijo, e então nos obrigava a apagar a lanterna e ir dormir, como se não houvesse nada mais importante para fazermos. Então esperávamos ela sair, e então ele me cochichava suas histórias. Histórias que ele havia lido e decorado, outras que inventava para me entreter e algumas que sonhava viver. A maioria era sobre os vagalumes.

-Você sabia – ele dizia como se estivesse prestes a me sussurrar a coisa mais incrível do mundo – que a luz dos vagalumes vem de dentro deles?

-Como que eles fazem isso, Lulu? Eles têm alguma fábrica lá dentro?

E então ele virava pra mim e dizia com a voz mais séria de todas:

-Não, não Miguel. A verdade é que eles comem estrelas. E a luz delas é tão forte que atravessa o corpo deles e iluminam tudo.

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