I
A primeira vez que um circo chegou à pequena cidade onde morava, no interior do Mato Grosso, Madalena tinha oito anos. Até então o que ela sabia sobre eles era o que tinha visto na televisão e nas descrições dos livros que de vez em quando lia. Mas o circo sempre lhe parecera um lugar mágico onde criaturas fantásticas viviam e onde as coisas mais incríveis aconteciam. Saber que poderia ver de perto aquele lugar de sonhos foi algo que lhe deixou com o coração acelerado de antecipação.
Ela vinha da escola com os dois irmãos menores, enquanto o irmão mais velho seguia a frente com a namorada. Cruzavam a única praça da cidade, por onde seguiriam até o final do asfalto, onde pegariam um pequeno trecho de terra que os levaria até em casa. Como era costume de toda quinta feira, pararam na barraca de sorvetes para comprar picolés, que tomariam com calma, saboreando lentamente cada gota, e que acabaria antes que chegassem em casa. Era um segredo entre os irmãos, que economizavam todos os trocados que conseguiam durante a semana, para poder desfrutar daquele momento especial. O calor infernal daquele verão fazia a motivação de guardar os centavos ainda mais forte.
Madalena estava tentando se decidir entre um picolé de chocolate, seu favorito, e um de groselha, que era mais barato e lhe pouparia umas moedas, quando escutou o barulho que vinha em direção a praça. Ainda com os dois picolés na mão, perante o olhar quase irritado do vendedor, ela percebeu uma movimentação estranha de pessoas e música que se aproximava. Curiosa como era, provavelmente fixaria sua atenção em direção à novidade por tempo suficiente para que os picolés derretessem. O vendedor percebendo isso, e não gostando do rumo que as coisas levariam, lhe chamou a atenção para que se decidisse de uma vez. Só de raiva pela grosseria do homem, ela escolheu um picolé de limão, que nem gostava, mas estava mais no fundo do freezer e era um dos mais baratos.
A essa altura os irmãos já estavam bem mais a frente, perto do amontoado de pessoas que da rua observavam o que estava acontecendo. Correu em direção a eles, o picolé na mão já começando a derreter. Sob o sol inclemente do meio dia, finalmente pôde por os olhos sobre a origem de tanta agitação. Observou maravilhada, enquanto saboreava o picolé, aquelas pessoas diferentes, todas coloridas e animadas, dançando com fitas multicores e sorrisos grandes logo mais a frente. Vários palhaços fazendo cambalhotas no meio da rua, arrancando risos das crianças e sorrisos desconfiados dos mais velhos. Um homem gigante, com uma perna de pau e um megafone anunciava: "O circo chegou à cidade". Madalena achou até que estava sonhando. O gosto azedo do limão em sua boca, no entanto, era prova suficiente de que o momento era real.
Madalena e os irmãos acompanharam com os olhos curiosos a passagem do pessoal do circo até perdê-los de vista. Se fosse por ela, eles os teriam seguido o dia todo, mas o irmão mais velho tratou logo de podar o seu plano. Era um despropósito sem fim, segundo ele, ademais já estavam atrasados para o almoço e a mãe lhes daria uma bronca. Ele estava certo no final das contas. Mas nem a bronca da mãe e o olhar ressentido do irmão diminuíram na menina a animação que sentia. O circo estava na cidade e ela faria de tudo para ir até ele.
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Rabiskos
RandomTentativas de trabalhar a escrita, através de temas variados, textos curtos, sem grandes compromissos, sem prazos ou metas, apenas aproveitando qualquer inspiração que surgir. Também posso revisitar algumas histórias ou poemas meus, publicadas em ou...