Olhos famintos

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Final do dia. Cansada do turno puxado no trabalho. Sexta feira. Muitos planos para o final de semana. Aniversário do filho. Três aninhos. Só de pensar na festa a ser preparada já se sentia cansada. Mas também estava animada. Seu filho, seu tesouro. O melhor pra ele, sempre.

A carona furou. Enfrentar o ônibus. Mais uma na multidão. O ponto quase vazio. Estava atrasada. Ônibus perdido. "Que droga!". Não via a hora de chegar em casa. Abraçar o filho. Conversar com a mãe. Ouvir o pai. Um banho quente. Uma comida gostosa. Dormir. Dormir!

Um novo ônibus. Nunca antes visto. "Presente do céu". Quase vazio. Motorista sério. Pessoas quietas. Estranho. Entrou, sentou. Lugar de sobra. Sensação estranha. Olhares. Ar rarefeito. Nervosismo. Olhares. Estranhos olhares. Estranhas pessoas. Angústia repentina.

A menina do banco a frente. Olhar fixo. Indisfarçável. O casal da fileira ao lado. Olhares dardejantes. Cada vez mais óbvios. Esquisito. "Esse ponto que não chega!". Ninguém desce. Ninguém sobe. Ônibus que roda. Fica apreensiva. Estômago estranho. Há dias. "Ai, agora não!". Inquietude. Pessoas mais perto. "De onde vieram essas pessoas?".

O suor escorrendo farto e lento pelo rosto. Silêncio anormal. Rostos inexpressivos. Ah não ser pelos olhares. Estranhos olhares. Fixos olhares. Tontura. Sufocamento. Pessoas tão perto. Olhares intensos. A voz que não sai. A menina! A menina! Os olhos! Os olhos!

Com um solavanco inesperado do ônibus, Maria desperta. Assustada, quase ri de alívio ao perceber que estava quase na rua de casa. Ainda um pouco nervosa, resolve descer um ponto antes. Tomar um pouco de ar da noite lá fora lhe faria bem. Precisava acalmar o estômago. Precisava se acalmar antes de chegar em casa.

Apertou para descer. Ao redor as pessoas em silêncio. Cada uma cuidando de sua vida. Maria acha graça do sonho que tivera. Logo ela, com medo de uma criança. Que bobagem. O ônibus para. Com um suspiro de alívio Maria desce. Sente-se leve. Caminha em direção à sua casa. Seu lar. Sua família. Seu futuro. 

Sem perceber que da janela do ônibus, olhares famintos e frustrados a seguiam. 

 

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