Até que a morte nos separe

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Finalmente! Após três longos dias de espera a  tempestade que o jornal estava anunciando veementemente começou a dar  sinais de ter chegado

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Finalmente! Após três longos dias de espera a tempestade que o jornal estava anunciando veementemente começou a dar sinais de ter chegado. O mal de estar vivendo em uma ilha remota é que tudo demora mais pra chegar, provavelmente no Continente eles já devem estar recolhendo os destroços do que sobrou, enquanto que aqui as primeiras gotas mal começaram a cair.

Veja bem, eu sou um cara paciente. Esperar nunca foi realmente um problema para mim. Mas é que dessa vez as coisas excederam um pouco até os meus próprios limites. Foram quase cinco anos pra chegar até onde estou, numa ilha remota, esperando o pico máximo de uma tempestade tropical para finalmente tentar trazer de volta à vida aquela que a morte tentou separar.

Segundo o que consta nos livros da família, isso da tempestade sempre foi mais uma tradição do que qualquer outra coisa, afinal, nos tempos modernos em que vivemos, seria bobagem depender das leis da natureza para algo tão importante quanto quebra-las. Mas apesar de tudo, nós, os Stein, sempre fomos pessoas muito tradicionalistas. Gostamos de seguir a receita ao pé da letra. E já que foi numa noite de tempestade em que o grande Frank deu o primeiro passo para enganar a morte, é melhor que seja em uma tempestade parecida que eu tente trazer de volta à vida a minha amada Frida.

Ademais, tempestade por tempestade, foi uma dessas que tentou levar minha noiva, cinco anos atrás, antes que ela tivesse a chance de entrar pelas portas daquela igreja e fazer de mim o homem mais feliz desse mundo. Chame de justiça poética, se quiser. O fato é que a tempestade vai ter que trazer de volta o roubou de mim. Ou, melhor dizendo, as minhas habilidades de médico e os anos de estudos realizados pela família irão fazer isso.

O barulho dos trovões e o fervor do vento trouxe ao meu rosto um sorriso que poderia ter sido maníaco por alguns não entendidos, mas trata-se na verdade de um sorriso de vitória. Embora Frida ainda permaneça no freezer e as máquinas mal tenham começado o seu trabalho. Mas é que essa é a primeira vez que uma tempestade chega e eu não sinto ódio ou tristeza. Como diria o grande Raul, um cantor das antigas que meu tio brasileiro adorava escutar: "eu perdi o meu medo da chuva". Amém.

Agora, ao trabalho. Melhor do que ficar falando sozinho nessa casa escura e deserta.

Retiro com cuidado o corpo duro e gelado de Frida da câmera de resfriamento, que eu chamo de freezer por razões de piada interna (a esse ponto de minha vida, sou capaz de me permitir esse tipo de coisa). É incrível o quanto a beleza dessa mulher é capaz de permanecer intacta mesmo depois do acidente e desses anos todos de criogenização. Melhor assim, ela se espantaria ao acordar e ver grandes mudanças em seu semblante. Já não basta o fato de que eu, depois desse desgaste todo, parecer ter envelhecido pelo menos uns vinte anos. Mas ela vai entender, ela sempre foi tão compreensível com as coisas.

Deposito-a com cuidado na mesa de operações e vou acoplando os fios da máquina a ela com delicadeza. Não quero que nada dê errado nessa noite. Tudo tem que estar perfeito. E para isso é melhor que eu pare de ficar transfixado pela beleza de Frida e cuide de trazê-la de volta à vida. Depois teremos tempos para o amor. Agora se trata de trabalho duro, ciência e porque não, um pouco da velha boa sorte dos Stein.

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