Dia de Circo

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Ela estava terminando de lavar a louça quando escutou o barulho. Era uma mistura de vozes ao megafone, música e gritaria. Ficou ali com a panela cheia de sabão na mão, tentando identificar que som era aquele, mas atarefada demais pra ir até a janela espiar. No entanto, bastou entender do que se tratava para largar tudo e ir correndo dar uma olhada no que acontecia lá fora, com as mãos ainda úmidas e o rosto semiescondido atrás das cortinas de croché que lhe custara quase um ano pra ser produzida.

O circo estava de novo na cidade. Quanto tempo fazia desde a última vez? Amélia não lembrava direito, mas sabia que a excitação que sentia ainda era a mesma. Na verdade, desde a primeira vez que vira um circo na pequena cidade quente e poeirenta do interior do Mato Grosso onde vivia que seu coração acelerava. Era uma alegria quase infantil e um interesse que poucos compreendiam. Ainda mais agora, já aos quase cinquenta anos de idade, com dois filhos adultos e três netos pequenos.

Claro que ela disfarçava. Sempre fora uma pessoa quieta e tranquila e lhe era comum passar uma imagem mais discreta como lhe era requerida. Não que fosse uma pessoa ranzinza, era apenas reservada. Isso lhe conferia o respeito na pequena comunidade em que vivia e  um quase orgulho por parte do marido e dos filhos ao falarem dela.

Mas quando o circo chegava, era difícil para ela se conter. Queria estar lá todas as noites, rir com os palhaços, se encantar com a equilibrista, se fartar de pipocas e se assustar com os círculos de fogo. Era um desejo quase inexplicável, mas muito forte.

Ela até que sempre dera muita sorte. Quando era criança, o circo passou duas vezes na cidade e os pais a levaram. Como ela adorara tudo aquilo. Riu alto, bateu palmas com todos e até cantou junto algumas canções. Os olhos brilhavam e sentia uma felicidade única. Os pais achavam até graça da sua animação com algo, sendo ela uma garota sempre tão fechada. Mas também não incentivaram muito esse interesse, já que não era algo prático. Depois, quando adolescente, o circo passou mais uma vez e foi bem na época em que seu primeiro namorado estava fazendo de tudo para conquista-la, então o trabalho de convencer os pais a deixa-los ir foi todo dele. Tiveram que levar seu irmão mais novo junto, para que ficasse de olho nos dois, mas ela nem se importou, estava mais interessada no espetáculo do que na cara emburrada de Joaquim, o namorado. Naquela noite ela decidira que na próxima vez que o circo viesse, fugiria com ele.

Mas então o circo passou anos sem aparecer, apenas a encontrando quando já estava grávida de Jurema. Conseguiu que o marido a levasse, justificando a vontade como um daqueles desejos estranhos de grávida. O homem que estava extremamente ansioso por essa gravidez e acreditava que se lhe fizesse todos os gostos teria como recompensa um menino forte e viril, não tardou em garantir um ingresso. E quando as crianças eram pequenas ela dava um jeito de ir, nas poucas vezes em que o circo passara, com a desculpa de que iria acompanha-las. Então os filhos cresceram e ela se ofereceu para ser a acompanhante que ficaria de olho nos casais, e nenhum deles reclamava, já que ela sempre fazia vista grossa. Os filhos achavam que a mãe era um pouco desatenta e se aproveitavam disso, mas a verdade é que ela só tinha algo mais interessante para cuidar. Então, eis que longos anos se passaram sem que nenhuma companhia tivesse o interesse de passar pela cidade.

E agora estava ali novamente! Ela já sentia o coração bater forte no peito e aquela animação de sempre lhe tomar. Também ficou aliviada por ninguém estar ali para reparar em sua comoção. Observou todo o desfile dos artistas, enquanto pôde e então voltou para a louça já pensando em um jeito de convencer os netos a querer ir para o circo. Era o único jeito, sabia. Ir sozinha seria visto como estranhamento e o marido com certeza não iria se interessar em acompanha-la.

A bem da verdade, já fazia tempo que o marido não lhe oferecia companhia. Apenas nas refeições, que tinha que deixar sempre preparada no tempo certo e do jeito que ele gostava. Até o tempero era ele que escolhia, o que lhe tirou muito cedo qualquer vontade de ser criativa naquele fogão. Ela também tinha que sempre lhe servir o prato, e sempre de uma certa forma específica. Com o tempo, acostumou-se e passou o costume adiante para a filha Jurema, enquanto que seu filho também decidiu que queria isso da esposa, Lucélia. Motivo de desavenças entre os dois, muitas vezes. Ela como sogra, preferia não se meter, deixava o encargo ao marido que ensinava o filho sempre daquele jeito dele de quem sabe das coisas a como tratar uma mulher. Nessas horas, e também nas outras quando via o marido agindo de uma forma que lhe doía o peito, preferia sorrir em concordância enquanto a mente voava longe, para debaixo da lona colorida, onde acontecia sempre um espetáculo bonito e divertido e onde as pessoas eram livres e os sorrisos verdadeiros.

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