Um conto de natal

14 6 13
                                    

Ele entrou na sala escura e assim que os olhos se ajustaram à falta de luz ele percebeu a figura imóvel em uma cadeira perto da grande janela coberta por uma cortina pesada.

Inspirou fundo antes de se aproximar.

Não fez questão de ser discreto. Foi primeiro até a janela e moveu a cortina para a esquerda. Uma réstia de luz do dia que estava recém começando avançou pelo quarto iluminando a face severa do homem na cadeira. O rosto mostrou-se, para além disso, inexpressivo.

Nic olhou para ele com calma. Mesmo depois de tudo e dos anos, ainda era capaz de reconhecer cada linha daquele rosto sizudo.  Sabia exatamente o que cada linha daquela pele representava e que expressões era capaz de fazer.

50 tons de malícia e zanga profunda. 

O brilho furioso dos olhos, no entanto, não estavam mais lá.  Em seu lugar apenas um vazio que acompanhava cada um de seus movimentos sem esboçar o mínimo interesse. O corpo frágil e encolhido na cadeira de balanço antiga nem de perto lembrava a imponência de antes. Os braços fortes que tanto atraíam e assustavam Nic eram agora apenas uma lembrança distante.

Aquela carcaça não era o que ele esperava encontrar. Mas também não se surpreendeu. Não de fato. O tempo era um deus vingativo que sempre cobrava o seu preço e era esperado que a dívida de Krampus fosse grande.

Anos se transformando naquela criatura. Deixando que o lado negro vencesse sempre e sempre. Alguma vez ele tinha lutado contra?  Noel desconfiava que não.  Havia prazer nos olhos dele ao falar da fera que vivia dentro de si, mesmo que os lábios negassem.

E ele sempre fingira acreditar. Era preciso acreditar que no fundo o seu Klaus era bom. Que ele não era aquela terrível criatura em que se transformava todo natal e que devastada famílias inteiras.  Enquanto que a ele sobrava o trabalho de compensar o estrago com doces mentiras e falsa alegria.

Mas essa era a única forma de ambos continuarem juntos. A única forma dele enfrentar os abusos, as mentiras,  a violência,  o medo e a culpa.

Todo ano, lado a lado. Cada um com seu papel. Esperando que a longa noite acabasse para que pudessem voltar à sua cabana para mais um ano de vida comum.

Mas nada era comum de fato e Nicolau  já não conseguia negar. Por isso se afastara. Mesmo com tudo o que isso lhe custou. Era preciso.

Krampus vencera no final.

A verdade inegável é que desde o começo aquela fora uma batalha perdida.  Mas ele lutou a boa luta e ao final de tudo encontrou a sua paz. Por isso estava ali naquele quarto decrépito em frente ao homem com quem dividira séculos de uma existência miserável. 

Nick acendeu um cigarro e encarou aquele rosto impassível.  Ainda sem respostas. Mas havia alguma coisa ali. No fundo daqueles olhos havia uma centelha.

Seria Krampus cantando vitória?  Seria Klaus tentando seduzi - lo mais uma vez?

Não importava. Aquilo era um adeus. Não havia outro final possível para aquele encontro.

Como fizera muitas vezes antes, colocou o cigarro sobre os lábios rígidos do outro. E pela primeira vez aquele corpo reagiu. Nic riu diante daquele comportamento autoprogramado. Algumas coisas nunca mudam.

Enquanto o outro tragava sofregamenteo cigarro, ele se levantou.  Não havia mais nada a ser dito ou feito. Nenhuma palavra de seu discurso previamente ensaiado serviria ali.

Olhou mais uma vez para aquele homem. Afinal seria a última vez. Mas nem as lágrimas que viu aqueles olhos derramarem silenciosamente o demoveram. Não sentiu nada, nem mesmo tristeza ou pena. Também nenhum tipo de alívio ou alegria.

Dirigiu - se até a porta. Lá fora Rudolf o aguardava. Afagou seu pêlo macio e recebeu em troca um carinho gelado de seu nariz molhado. Subiu na cela e seguiu em direção ao sul. Não olhou para trás nenhuma vez.

Havia trabalho a ser feito. Mil anos de compensação não seria suficiente para pagar sua própria dívida. Mas ele tentaria.

Na sala agora já bastante iluminada, a criatura levantou os braços enrigecidos. Secou as lágrimas, apagou o cigarro e fez uma promessa.

------
Olá pessoas. Mais um natal por aqui. Espero que todos estejam tendo um bom dia, independente das crenças e da companhia. 
Eu queria escrever algo do tipo desde o ano passado e cá está meu primeiro conto natalino. Como sempre a criatura fugiu do controle e em nada se parece com o que eu tinha planejado. Tanto melhor. Sobra ideia pro próximo ano. Ho Ho Ho

Abraços muitos!

Abraços muitos!

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
RabiskosOnde histórias criam vida. Descubra agora