Estela espiou por entre a multidão barulhenta e não a encontrou. Não se espantou com isso, Luísa não era afeita a multidões. Naquele momento deveria estar fumando em algum canto ou se agarrando com alguma garota bonita em um quarto qualquer daquela casa enorme e barulhenta. O pensamento fez doer e ela não conseguiu evitar uma careta. Antes que aquilo virasse drama, ela mergulhou no copo carregado de álcool que tinha em mãos. Era o primeiro da noite, mas não seria o último, ela sabia. Pelo menos uma coisa boa em não ter mais Luísa por perto: podia beber o quanto quisesse sem ninguém pra encher o saco. Estela sentia que não era uma troca justa, mas era o que tinha para o momento. Talvez devesse mudar o nome para Poliana e seguir em frente de uma vez.
A festa estava em seu ponto alto e Estela estava quase lá. Já no quinto copo consecutivo de algo que ela não fazia nem questão de saber o que era e de circular por aquela maldita mansão inteira, trombando aqui e ali com pessoas mais ou menos alcoolizadas do que ela, chegou à conclusão de que seguir em frente não era uma opção viável para ela. Mas Luísa também não era mais e Estela sempre seria Estela, a idiota que achou que conseguiria manter a garota mais selvagem e livre da cidade a seus pés.
Já sentindo os primeiros efeitos da bebida, associada a sensação de sufocamento que aquele lugar cheio de gente provocava, Estela decidiu que precisava tomar um ar antes do próximo drink. Nem cinco minutos depois estava desejando ter sufocado até a morte na fumaça e suor daquelas pessoas que pouco conhecia. Qualquer coisa era melhor do que estar ali ao ar livre, naquela noite linda, vendo a mulher que ainda amava loucamente, amando loucamente outra garota perto da garagem vazia. Foi inevitável que tudo o que bebera até então encontrasse o caminho de volta pela sua garganta, impulsionada por toda a bile que um corpo humano é capaz de produzir perante uma situação desse tipo.
O barulho desagradável foi capaz de se inserir na cena ali perto e acalmar o clima presente. Luísa olhou por entre os arbustos e naquela noite clara, conseguiu identificar aqueles cabelos negros com leve tom azulado por causa da luz que ali perto se acendera com o movimento. Ela sempre amara aqueles cabelos e passara longas horas só com os dedos por entre aqueles fios grossos e macios, como mergulhadores em um mar vasto e tranquilo, enquanto a pessoa a quem eles pertenciam suspirava ao seu lado. A garota que agora estava ao seu lado fez um tom de desagrado, mas ainda quente e ardente dos momentos anteriores tentou convencê-la a ir para outro lugar mais reservado, como deveria ter sido desde o começo.
Luísa preferiu ficar.
Depois de dispensar a companhia e ajeitar com calma a roupa em desalinho, acendeu um cigarro e encostada na parede observou a cena dramática que se desenrolava mais a frente. Não era o primeiro show de Estela que via. Muitos deles aconteceram enquanto estavam juntas, geralmente movidos pelos ciúmes quase doentios da garota. Não que Luísa se considerasse uma santa, não era, mas a paranoia de Estela sobrepujava qualquer coisa que ela pudesse se ver capaz de fazendo. E havia a bebida, a solução de Estela para qualquer coisa, corroendo rapidamente qualquer chance que elas tivessem de dar certo.
Cansada e frustrada, Luísa desistiu do cigarro e foi até a garota que nesse momento já havia tirado de dentro de si qualquer fluído possível, mas que ainda era capaz de derramar litros de lágrimas mesmo em um estado de semiconsciência. Ao perceber sua aproximação, Estela perdeu o restante do controle que achava que tinha. Sentindo o ódio ardente tomar conta de seu corpo, e com um rugido que veio do mais profundo de si, se jogou com tudo para cima dela. Um movimento que foi desviado com elegância pela garota de pernas longas e se transformou numa queda desastrada no chão bruto. Sem ficar surpresa, Luísa observou quando a raiva explosiva de Estela se transformou em fúria silenciosa.
Vendo que a garota havia se ferido na queda, Luísa se aproximou novamente e se abaixou para avaliar o estrago. Não era nada grave, apenas a pele das mãos e braços que ralara um pouco no contato com o chão bruto. Azarada como era, a garota não fora capaz de cair na grama ali perto, o que teria sido bem menos doloroso. Incapaz de resistir, Estela deixou que Luísa a ajudasse a se levantar e deixou-se finalmente apagar para aquela noite desastrosa ao sentir-se naqueles braços conhecidos. A última coisa que foi capaz de lembrar foi o cheiro delicioso da sua garota, uma mistura de cigarros e coco que sempre a deixava maluca.
Naquela madrugada, como em muitas outras, Luísa levou Estela para casa, a carregou até o chuveiro onde delicadamente lavou o seu corpo, a ajudou a escovar os dentes, a se secar, a colocar o velho pijama que ainda estava ali em meio às suas coisas e, enquanto as lágrimas de ambas caíam, secou e penteou aqueles cabelos longos e bonitos. Ainda em silêncio, foi até a cozinha e preparou um café bem forte para as duas e juntas tomaram o líquido quente lentamente, encostadas na varanda observando o sol começava a nascer.
O sabor amargo, a despeito de todo o açúcar formando uma crosta ao fundo da xícara, não trouxe conforto algum.
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E aí, alguém lembra dessas duas garotas?
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Rabiskos
AléatoireTentativas de trabalhar a escrita, através de temas variados, textos curtos, sem grandes compromissos, sem prazos ou metas, apenas aproveitando qualquer inspiração que surgir. Também posso revisitar algumas histórias ou poemas meus, publicadas em ou...