Efeito Poliana

47 7 116
                                    

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

A garota ganhou o espelho quando tinha sete anos. Era uma relíquia de família e combinava perfeitamente com a decoração estilo "princesa vitoriana de seu quarto novo." O quarto entulhado de quinquilharias capazes de encher de alegria o coração de algumas garotinhas era uma tentativa dos pais de ajudar a melhorar o ânimo da garota em relação à mudança repentina que tiveram que fazer.

A tentativa não surtiu muito efeito. Primeiro porque nada daquilo supriria a falta que iria sentir de todos os seus amiguinhos, da tia Letícia (sua babá desde que nascera) e de seus avós que ficaram para trás na antiga cidade. Segundo, porque ela nunca gostara de tanto "frufu". Mesmo naquela idade ela percebia o quanto os pais não a conheciam e isso enchia seu pequeno ser de frustração.

Manteve-se emburrada por um bom par de dias, até que acabou cedendo. Não lhe restava muito que fazer além de recolher a mágoa para algum lugar interno escuro e profundo e tentar se readaptar ao novo ambiente. O que era um desafio e tanto. Não se sabia ao certo se o lugar que era difícil ou se ela é que era. O fato é que no fim das contas, com o tempo, o quarto acabou virando seu refúgio para as inúmeras frustrações que viveria. Muitas lágrimas e gritos abafados pelo travesseiro. Também desenvolveu o peculiar costume de usar o espelho como seu próprio diário secreto.

Todas as noites, quando percebia que os pais estavam a sono alto (ambos roncavam muito, então era difícil não notar), ela corria para o espelho e começava a falar sobre seu dia. Ali derramava os acontecimentos, os sentimentos, os questionamentos todos. O objeto se tornara o detentor de todos os seus segredos mais íntimos e na própria imagem refletida ali, ela encontrava o conforto que o mundo lá fora lhe negava. Às vezes, quando era algo mais vergonhoso, ela cochichava bem pertinho da superfície refletora e jurava que a garota do outro lado se aproximava atenta a fim de não perder suas palavras.

Anos se passaram e Cecília, a garotinha de outrora, já não era mais a mesma. O mesmo podia ser dito a respeito de seu quarto que recebera nova decoração a fim de acompanhar a nova fase da atual adolescente rebelde que ela se tornara. De toda a antiga e espalhatosa decoração, a única coisa que ficara fora o espelho. A mãe achava que não combinava com nada ali, mas como não era mais a responsável pelo design, não podia muito opinar. Aliás, pouco dizia ou mesmo sabia a respeito do quarto da garota ou da garota em si. No meio tempo em que perdera entre seu trabalho, as amigas, os amantes, as amantes do marido, as brigas, as tentativas de reconciliação, a separação e a tentativa de voltar à vida social, sua filha tornara-se para ela uma estranha. Não conseguia encontrar nos olhos da garota rebelde, desbocada e sem paciência, a filhinha amorosa e fofinha que parira.

Cecília era tudo menos a criatura perfeitinha que a mãe tanto desejava que fosse. Tinha dificuldades de socializar com as pessoas, se jogava de forma passional em relações destrutivas, não conseguia focar na escola, pensava no futuro como algo nebuloso e inalcançável, irritava-se com a mãe constantemente e não suportava a nova família do pai. Quando não conseguia atingir alguém com toda a ira que existia em si, ela se voltava para a autodestruição. Seja se entregando para as pessoas erradas, seja usando coisas que não lhe faziam bem, seja se cortando, seja não se alimentando direito (algumas vezes, simplesmente não se alimentando), seja pesquisando as melhores formas de se matar. Como sempre, o espelho era seu confidente mais fiel. Aquele que tudo via, que nunca mentia, que estava sempre ali e nunca tecia comentários julgadores e/ou condescendentes.

RabiskosOnde histórias criam vida. Descubra agora