Capítulo 32

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Johnny me contou tudo o que aconteceu.

A parte que eu já sabia era que a vida toda sempre foi ele e o pai, John. Os dois passaram perrengue por muitos anos porque John morava sozinho nos Estados Unidos, tendo deixado os pais em Glasgow para vir a América trabalhar com TV. Aqui ele conheceu Anabel Boyd, uma linda jovem ruiva, esbelta e cheia de sardas, doce e encantadora como essas modelos de cartazes pin-up.

Palavras do Sr. John, não minhas.

Ele disse que ela o fazia sentir nos próprios anos 50 e se vestia como uma estrela de cinema, porque era isso quer ela queria ser. "Anabel queria se tornar a Audrey Hepburn do nosso tempo", comentou uma vez, "ganhar as telonas e ter uma casa luxosa em Hollywood".

Mas na verdade, o máximo que conseguiram foi uma kitnet.

John e Anabel se apaixonaram, acima de tudo, pelos sonhos em comuns que compartilhavam. Se uniram como dois escoceses jovens, sozinhos, sonhadores e perdidos na cidades dos anjos atrás da realização de tudo o que achavam importante. Mas os anos se passaram e aquele quartinho começou a parecer pequeno demais, aquilo sufocava Anabel. Ela começou a beber e a fumar muito, de stresse e ansiedade perante toda aquela situação enquanto John fazia o que podia para se manter de pé. Anabel precisou trabalhar de garçonete em um café enquanto John arranjava bicos pela cidade. Nunca desistindo de testes na TV e no cinema, é claro.

E no meio disso, Anabel engravidou de Johnny.

No começo foi um misto de alegria e preocupação em como sustentaria uma criança se o dinheiro mal dava para eles, porém a ideia foi amadurecendo e Anabel até parou de fumar e beber para ter uma gestação saudável.

Enfim, a história termina com Anabel morrendo no parto e John precisando vir para Nova York com uma criança de quatro meses por causa de uma oferta de emprego numa pequena rede de televisão local.

O mais interessante é que quando chegava no final dessa história, sempre achamos irônico que John tenha conseguido trabalhar em uma televisão, logo depois da esposa morrer. Chegava a ser triste a ironia da vida.

O mais interessante agora - e eu diria também bizarro - é que essa história não está completa e muito menos verdadeira.

Anabel nunca morreu no parto.

O que Johnny descobriu antes de por os pés no avião para ir à Los Angeles era que sua mãe, na verdade, o havia abandonado e o pai escondeu isso porque achou que a dor seria muito menor para quando Johnny pudesse entender o mundo.

Ele nunca imaginou que ela voltaria.

O que muda da primeira história, é que Anabel realmente parou com o cigarro e álcool nos primeiros meses de gestação, mas de uma hora para outra aquilo ficou insuportável para ela e tudo voltou, aparentemente em doses bem maiores. Seu corpo seria destruído por causa "daquela peste", não seria mais jovem e bela, ninguém mais ia a querer na televisão. Perdeu o emprego, porque não ficava sóbria mais e, depois de Johnny nascer com complicações, Anabel desenvolveu depressão pós-parto e quase não nutria sentimentos pelo bebê Johnny. Uma vez até tentou machucá-lo e John nunca mais sentiu segurança em deixar a criança nas mãos dela - o que a deixou ainda pior.

"E então ela foi embora" Johnny me contou no meio de mais soluços e lágrimas "um dia meu pai voltou do trabalho e ela não estava lá. Eu só tinha dois meses! Ela me odiava! Me deixou sozinho por sabe-se lá quantas horas e foi embora, Liz!" e não importava quantas vezes eu tentava dizer que ela só estava doente e que aquilo era normal e tratável, ele sempre repetia: "mas ela não gostava de mim antes! Nunca gostou! A carreira que nunca existiu e a imagem... sempre foram mais importante do que eu!"

18 [Suspenso]Onde histórias criam vida. Descubra agora