#27

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Não consegui segurar aquela lágrima solitária que escapou dos meus olhos. Ela rolou pela minha face e foi alojar-se nos meus lábios.

- Pois é, Lourenço, nunca ouviste dizer que as paredes têm ouvido? Eu ouvi! – gritei a última parte soluçando desesperada. – E só acho que tenho direito a não sofrer mais.

- Eu não...

- Não te atrevas dizer que não me renegaste antes mesmo de termos tido alguma coisa!

- Eu não ia dizer isso – ele sussurrou. – Eu só disse aquilo por causa do Miguel. E eu só falei em casamento! Também nuca pensei que... que fosse gostar tanto de ti!

Limpei furiosamente as lágrimas estúpidas que molhavam a minha face. Porque é que eu estava a chorar mesmo? Odiava ser tão fraca no que diz respeito a sentimentos, odiava chorar por tudo e por nada. Odiava aquela dor que sentia ao relembrar as palavras do Lourenço. O tom que ele usara, como se eu não valesse nada, não fosse suficientemente boa para ele.

Olhei tristemente para ele e sem dizer nada encaminhei-me para a saída da cozinha.

- Não vás embora, Gabi! Eu recuso-me, recuso-me a deixar-te ir! Não agora, não depois de tudo. Posso perder o emprego, posso perder a amizade do Miguel, posso... sei lá! Posso perder tudo, mas por favor, eu só quero ficar contigo – o Lourenço falou num tom suplicante. – Esta necessidade que eu tenho de estar contigo, de te ver feliz, de te ver sorrir, de te beijar, de te amar... - a voz dele falhou ligeiramente - ... eu nunca senti com ninguém. E eu não consigo ver-te ir embora, não outra vez.

O meu coração batia descompassado no meu peito. As suas palavras fizeram-me chorar como nunca antes.

- Por favor, Gabi, dá-me apenas uma oportunidade, penas uma. Deixa-me mostrar-te que eu posso fazer-te feliz. Apenas uma oportunidade de te mostrar que conseguimos funcionar juntos, que mereço a tua atenção e dedicação.

Engoli em seco com o passo hesitante que o Lourenço deu na minha direção. Não sabia o que dizer, as lágrimas tapavam a minha garganta e impediam-me de falar.

Eu queria ficar com ele, queria muito. Queria estar com ele todos os dias, sem restrições. Queria mostrar ao mundo que eu e o Lourenço estávamos juntos, que ele era um homem comprometido, queria andar na rua de mãos dadas com ele, queria ir ao cinema e poder dizer quer era namorada dele, e não sobrinha. Queria não ter medo de sermos apanhados, porque aquilo era proibido e ele poderia ficar sem emprego.

- Eu sei que aquilo que disse ao Miguel te magoou, agora sei. Mas eu disse aquilo sem pensar realmente. Disse aquilo porque era o que eu queria na altura, mas não agora. Agora só quero ficar contigo, porque tu és uma pessoa especial, por algum motivo. Por isso... - ele estendeu o braço e agarrou no pote de biscoitos, tirando de lá um com um buraco no meio. Depois abaixou-se à minha frente, pondo-se de joelhos. – Maria Gabi, aceitas namorar comigo?

Fiquei pasma a olhar para ele. Aquela foi a situação mais estranha de sempre: o Lourenço, apenas de boxers estava de joelhos à minha frente, pedindo-me em namoro com um biscoito de canela.

- Lourenço eu não sei...

- Por favor, só uma oportunidade! – ele implorou com olhinhos de gato das botas.

Ajoelhei-me à sua frente e sorri-lhe. O meu interior dava pulos e mais pulos de alegria. Aquilo era a situação mais estranha de sempre, mas também a mais feliz. O Lourenço queria-me perto dele, queria-me mesmo muito. E depois daquela declaração ficava um pouco difícil acreditar que ele apenas queria ficar comigo para passar o tempo ou chatear o Miguel.

- Eu aceito – falei segura do que dizia, olhando-o nos olhos.

O sorriso que ele deu foi tão lindo, de pura felicidade e alivio, que me vi também a sorrir, entre várias lágrimas.

[concluída] Submersa pelo Desejo | Série Desejo - I |Onde histórias criam vida. Descubra agora