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Mais uma vez estava atrasada. É sempre a mesma coisa, quando estou pronta o meu pai tem sempre que se lembrar que falta algo. Mas hoje o atraso era por culpa da discussão que se tinha iniciado ontem e reiniciou esta manhã. Estávamos super atrasados, e não havia forma de a Catarina parar de discutir com a minha mãe.

- Pai, já pensaste em ir embora, é que por este andar elas só se calam amanhã, ou quando ficarem roucas.

Bem, a discussão entre elas resumia-se ao facto de a minha mãe não aceitar de forma alguma o facto de que a Ema se ir casar com uma mulher. A minha mãe passava o tempo toda a choramingar pelos cantos: "Onde eu errei, meu Deus?". Já dava nos nervos.

O meu pai nada dizia, ele já tinha aprendido a nunca se meter numa discussão entre a Catarina e a mãe.

- Ouve o que estás a dizer! – a Caty berrava. Aposto que toda a vizinhança estava a ouvir. – Ela é tua filha, e tu vais renega-la só por ela fugir aos padrões que a sociedade impõe? Devias era orgulhar-te da Vi! Por ela ter coragem de demonstrar que é diferente e não se envergonhar por isso.

- Orgulhar-me? Orgulhar-me de quê, Sónia Catarina, daquela...

- Nem te atrevas a continuar, mãe! A Vitória é um orgulho para toda a gente que a conhece! E não é por ser lésbica que é diferente! Ela tem os mesmos direitos de toda a gente! Tu deverias ser a primeira a apoiá-la, a dizer-lhe: "Parabéns, Ema Vitória, tenho muito orgulho em chamar-te filha.", mas não, tu dedura-la, sem dó. Ela é que deveria ter vergonha de te chamar de tia!

- Chega, Sónia Catarina, vamos embora! – o meu pai finalmente interrompeu a discussão, para não tomar dimensões maiores.

A Caty saiu da cozinha, pisando duro e foi buscar os seus livros. Eu concordava com ela. A Ema era fantástica, um orgulho para todos. Sempre fora uma ótima aluna, e isso garantiu-lhe um bom futuro, com renomado escritório de arquitetura e vários prémios internacionais. E lá por gostar de mulheres, não quer dizer que alguém tenha errado em algum lado. Ela era assim e ponto, tínhamos era que respeitar e apoiar, acima de tudo!

Antes de sairmos de casa a Caty lançou um olhar bastante zangado à minha mãe.

- Espero realmente que penses nas tuas atitudes, mãe. A Ema é como se fosse tua filha, acima de tudo – falei antes de sair.

- Tu também, Maria Gabi!? – a minha mãe perguntou admirada. – Toda a gente contra mim, ninguém percebe que aquilo é errado... - acho que ela ainda disse mais alguma coisa, mas eu simplesmente ignorei e sai de casa, entrando no banco traseiro do carro.

A Sónia Catarina não parava de bater com o pé no chão do carro e a dar suspiros frustrados. Mas ela estava a planear alguma coisa, isso estava...

Quando cheguei à escola, já tinha tocado à quase vinte minutos. Fui a correr por entre os corredores até chegar à minha sala.

Bati à porta. Como ninguém vinha abrir, voltei a bater com alguma impaciência. O professor Martins costumava vir logo abrir, será que tinham ido para outra sala? Voltei a bater, desta vez com mais força e a impaciência também já se fazia sentir.

A porta abriu-se lentamente. Quase fiquei sem ar ao ver a pessoa do outro lado da porta. Era alto, com os músculos notando-se pela camisa azul escura. Os seus cabelos eram curtos e claros e a sua face tinha uma barba rala. Os seus olhos eram azuis, de um azul acinzentado.

Tentei focar o meu olhar na sua cara, juro que tentei, mas foi mais forte que eu. A suas pernas eram firmes e estavam comprimidas numas calças jeans escuras, os seus pés tinham umas sapatilhas brancas e, Jesus de Cristo!, aquele pacote!

[concluída] Submersa pelo Desejo | Série Desejo - I |Onde histórias criam vida. Descubra agora