#36

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Lourenço

Estas duas últimas semanas tinham sido difíceis. Já me tinha habituado a estar constantemente com a minha Gabi, e ter de me afastar delas assim, não foi fácil. Falávamos todos os dias, apenas por chamada. E eu não gostava daquilo. Sentia falta de a ter ao pé de mim, de ver o seu sorriso em primeira-mão, de sentir a sua pele quente e suave sobre os meus dedos...

Mas eu amava-a e pela Gabi vale tudo! E não era o facto de termos pouco contacto físico que me ia afastar dela. Aquilo só me deu a certeza que a amava de verdade, que eu estava mesmo minado nela.

Eu pedi-lhe uma oportunidade e sabia que ela ainda estava de pé, eu ainda não a tinha perdido nem feito nenhuma asneira. Até aquele dia, até ao dia que eu sei que a magoei mais que tudo. Que eu fui um idiota, que matei um pouco de mim e dela também.

Naquele dia, a turma com quem eu ia ter aulas tinha ido a uma visita de estudo. Por isso aproveitei aquela hora de sossego para ficar sozinho na sala de aula, onde preparava uns testes e corrigia umas fichas.

Se eu não tivesse ficado ali sozinho, tudo seria diferente...

- Aqui sozinho? – ouvi uma voz feminina perguntar. E eu reconhecia aquela voz e odiei o facto de ela estar ali.

A Marisa simplesmente não desistia de tentar levar-me outra vez para a cama, ou onde calhasse, como ali. Eu pensava que ela entendia que eu não queria mais nada com ela. Porque eu não queria!

- É, aqui tenho o sossego que preciso – falei normalmente, mal olhando para ela.

- Pois, vejo que sim... - senti-a aproximar-se de mim e aquilo estava a deixar-me terrivelmente desconfortável.

Só queria a minha Gabi ao pé de mim, não ela!

Os seus saltos ecoavam no soalho de madeira, lentamente. Contei mentalmente até três e só depois levantei o olhar. A Marisa desequilibrou-se, e eu, burro como sou, levantei-me prontamente para a ajudar.

Caralho! Fodi a minha vida toda naquele momento! Foi com um simples gesto que ela destroçou a Gabi. E eu odiei-a por isso. Porque por muito fodida que fosse a minha dor, a da Gabi era muito mais.

Equilibrei-a por um braço. Ela sorriu e juntou os nossos corpos, e depois simplesmente beijou-me, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Eu tentei afastá-la. Não a queria ter perto de mim, não queria que ela beijasse os lábios que pertenciam à Gabi, que eram exclusivamente da Gabi. Não queria que ela me tocasse sequer.

Talvez devesse ter agido que nem um selvagem, e hoje eu sei que sim (pois as consequências foram demasiado devastadoras por não o ter feito). Mas apesar de tudo eu não era um troglodita e o cuidado que levei para a afastar sem a magoar fez com que o beijo se prolongasse por um tempo excessivo.

Consegui afastar-me da Marisa.

- Marisa, isto...

E eu senti. Algo me fez olhar em direção da porta e vê-la lá. A Gabi estava destroçada, pude sentir a sua dor, pude ver o desapontamento estampado no seu olhar marejado.

E merda! Aquilo era tão clichê que me senti um idiota. Senti-me uma merda por deixar que aquilo tivesse acontecido. Porque realmente não era o que parecia...

Fiz a única coisa que me veio à mente: ir atrás dela para me explicar. E teria funcionado, se ela não corresse desesperadamente para longe de mim. Se ela não tivesse atravessado aquela estrada ás cegas...

E foi naquele momento que o meu mundo realmente ruiu. E lá estava o idiota, filho da puta do Murphy a gozar com a minha cara. A demonstrar que ele tinha razão.

[concluída] Submersa pelo Desejo | Série Desejo - I |Onde histórias criam vida. Descubra agora