Capítulo 2 - O convite

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Apesar de ter acordado sentindo fisicamente os efeitos do pânico que me tomou, usei a força de vontade que sempre foi minha companheira para tomar a simples decisão de que minha rotina não podia mudar.
Encarei o ocorrido como um lembrete de que nunca podia deixar Toni sem comer antes de voltar para casa e, por isso, tratei de providenciar uma ração para deixar em meu armário pessoal no restaurante.
Acordei perto das onze e preparei o almoço. Dona Alice, minha mãe, almoçou comigo. Não contei o que aconteceu. Às quatro da tarde fui à academia e de lá parti para o trabalho, que começava às seis.
Eu não queria que ninguém soubesse do ocorrido, mas, como era de se esperar, todos já estavam sabendo. Antonia, a recepcionista que sempre foi um doce comigo, me interpelou preocupada:
- Fiquei sabendo de tudo o que aconteceu... meu Deus, você está bem? Fiquei tão preocupada que nem consegui dormir. A gente se fala brevemente todo dia, mas eu nem tinha seu telefone...
Eu a ouvi sorrindo e respondi calmamente que estava tudo bem, que foi só um susto. Eu não podia dizer a mim mesmo que o que aconteceu não foi um pequeno trauma, mas os outros não precisavam saber disso.
Vesti meu uniforme e fui para a cozinha. Me concentrei em cada prato e cada comando. Os anos de prática me deram uma experiência sensorial apurada.
Ao final do expediente, dei de comer a Toni e parti a pé para casa.
Imagino que estava mais ou menos no mesmo lugar onde aconteceu tudo na noite anterior quando senti o vento trazer a minhas narinas aquele perfume de flores inconfundível. A voz veio da minha esquerda.
- Oi, Érico.
Não foi "você precisa de ajuda?", "o que está fazendo a essa hora sozinho?", "você deveria estar com alguém". Foi "Oi, Érico." Só isso já me faria apaixonar o suficiente por qualquer pessoa. Me aproximei seguindo o cheiro dela. Foi quando me lembrei que não havia perguntado seu nome.
- Você é a enfermeira, não é? – perguntei.
- Diana. Muito prazer. – ela respondeu, levantando do meio fio e levando a mão de encontro à minha para me cumprimentar.
- Você está bem? Meus colegas prestaram toda a assistência necessária? – perguntou diretamente.
Eu respondi que sim e que já estava tudo bem. Agradeci por ter deixado Toni na portaria. O perfume me inebriava de forma tal que eu sequer considerei a estranheza de ela estar ali, no mesmo lugar da noite anterior. Antes que pudesse pensar, ela se explicou:
- Eu estava voltando do hospital e vi você vindo. Resolvi esperar para saber se você estava bem, desculpe se te assustei. Não é comum eu fazer isso, não se preocupe.
Eu só queria que ela continuasse falando. Podia ser qualquer coisa. Podia ser sobre a guerra. Na voz dela, pareceria um encontro de amigos saudosistas. Foi num ímpeto que fiz o convite:
- Eu sou chef do restaurante italiano que fica a dois quarteirões daqui. Não interprete mal, mas eu queria agradecer a sua ajuda com um jantar por conta da casa. Passe lá quando quiser.
Ela agradeceu sorrindo. Eu soube pela voz. Disse que iria até lá na noite seguinte mesmo, que não era de recusar jantares grátis no auge de seu estágio não-remunerado. Brevemente, disse tchau e se foi com passos rápidos. Não perguntou se eu precisava de ajuda, não me abraçou, não disse que ia ficar tudo bem.
Deixou comigo só aquele perfume de flores.
E eu me percebi perdidamente apaixonado por ela.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora