"Eu gosto de você, Érico. Há três anos, eu gosto de você."
As palavras de Antonia reverberavam na minha mente na segunda noite de insônia seguida. Não sei bem que tipo de culpa sentia: por nunca ter percebido, por ter sido rude na noite anterior ou por não ter falado nada na hora.
A jornada foi constrangedora. Eu sabia que ela estava ali, no salão, ao lado da cozinha, recebendo as pessoas com menos entusiasmo que em outras oportunidades.
Eram frequentes os comentários dos cozinheiros dizendo que Antonia estava impossível naquele dia, irredutível com qualquer erro. Permaneci em silêncio cozinhando e pensando.
Na volta para casa, éramos apenas Toni e eu. Aproveitei o silêncio da rua para desabafar com meu amigo sobre a loucura que tinham sido os últimos dias. Senti que me apaixonei perdidamente por uma estranha, e uma velha conhecida revelou que sempre gostou de mim. Era paradoxal.
Meu último romance tinha acontecido dois anos antes e foi tudo muito bom. Acabou porque tinha que acabar, porque ela foi embora para estudar em outro país e, de quebra, as coisas não iam tão bem assim. Foi aquela coisa que acaba na hora certa, sabe?
Desde então, eu não tinha tido nenhum relacionamento sério. Alguns rolos aqui e ali, mas nada que me fizesse apaixonar de uma forma tão fulminante quanto a experiência com Diana.
Engraçado. O perfume de flores ainda era claro na minha memória todos os dias. Tinha a mesma clareza da voz de Fábio.
No fim das contas, eu já estava me conformando com a ideia de que tinha sido tudo uma loucura da minha cabeça. Precisava, agora, dar conta da situação de Antonia. Não gostava da sensação de que ela estava decepcionada comigo. Eu não tinha a menor ideia do que dizer, mas senti que precisava conversar com ela de novo.
Cheguei ao restaurante meia hora antes do expediente e procurei imediatamente por ela. Antonia tentou fugir, mas eu argumentei que aquela situação não era boa para quem se via todos os dias. Ouvi ela parar e, então, falei:
- Sobre o que você me falou ontem, bem... eu não sei bem o que dizer. Essa semana está sendo uma loucura na minha vida, e isso não justifica o fato de ter sido grosseiro. Também sinto por não ter dado abertura pra que você dissesse como se sente há tanto tempo. Espero que possamos, pelo menos, ser amigos outra vez.
Ela suspirou. Ficou em silêncio por uns dez segundos e disse:
- Tudo bem. Você também não tinha como saber. Fui grossa contigo. Você comigo. Estamos quites. Vida que segue.
Eu sabia que não era tão simples assim, mas achei que, para aquele dia, as coisas já estavam melhores. Como de fato foram. O restaurante lotou, mas a paz estabelecida nos fez trabalhar em sincronia.
Exausto, mas de missão cumprida, busquei Toni e retomei o caminho de casa.
Algumas quadras adiante, fui novamente inebriado pelo perfume de flores que parecia entranhado dentro de mim.
- Érico!
Ouvir meu nome naquela voz era um doce veneno para o meu coração.
Diana.
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Dias que eu não vi
RomanceLIVRO NA LONGLIST DO WATTYS 2018 Érico é um chef de cozinha deficiente visual que sempre lutou com muita determinação para alcançar seus objetivos, até que Diana entra em sua vida com um amor fulminante que o transforma. A história é narrada pelo pr...