Capítulo 27 - Pimenta nos olhos

1.9K 222 16
                                    

Não sei precisar quanto tempo passou, mas recuperei um pouco da consciência quando me senti sendo colocado sobre uma maca e imediatamente reconheci o perfume de flores do amor da minha vida. Os lábios doces e consistentes de Diana me tocaram os cabelos e, em seguida, a voz musicada cantou ao meu ouvido:
- Vai ficar tudo bem, eu juro pra você.
Nem tive forças para responder e adormeci novamente.
Completamente perdido na noção de tempo, lembro de despertar sobre uma cama que parecia ser de hospital. Eu sempre detestei médicos e hospitais. Agora, então, que tinha sido duramente agredido por um, detestava mais ainda. Agitado, tentei tirar tudo que estava conectado a mim mas fui impedido por uma mão fina e de dedos longos que eu conhecia bem.
- Calma, Érico. Eu tô aqui. Vai ficar tudo bem. Eu prometo.
Minha cabeça ainda doía muito e tudo que tinha acontecido parecia muito surreal.
- Quero ir pra casa... – disse, com a voz embargada.
- Não dá, Érico. Você precisa ficar aqui uns dois dias.
Eu detestava médicos. Como poderia ficar ali dois dias? Essa memória era mais vívida do que a surra que levei de Fábio.
- Tem certeza que não posso ir pra casa e cuidar disso lá? Não gosto daqui...
Antes que pudesse concluir, um traumatologista entrou na sala para falar com Diana e avaliar minhas condições. Ficou surpreso ao me ver acordado. Me cumprimentou, pediu que eu dissesse meu nome completo e, antes que pudesse perceber, colocou a mão sobre minha testa, e com os dedos começou a mexer em meus olhos afim de verificar se os traumas naquela região estavam menores. Era demais pra mim. Comecei a me encolher sobre a cama e pedir aos prantos que ele fosse embora. Só eu sabia o quanto aquela sensação de alguém mexendo em meus olhos era angustiante. Diana e o médico ficaram sem saber o que acontecia. Ela ainda tentou me tranquilizar:
- Calma, Érico... não é pra tanto... ele só quer ver como você está...
De nada adiantou. O médico disse que voltaria em outro momento, e que meu choque por ter acordado e talvez me lembrado de tudo que aconteceu pudesse ter me deixado agitado. Menti que era isso mesmo e suspirei fundo quando ouvi o som da porta fechando. Diana, sempre tão firme em suas colocações, usou de seu carinho para me confortar:
- Tá tudo bem, Érico. Eu tô aqui. Não vou deixar mais ninguém machucar você. Eu prometi que ia ficar tudo bem, não prometi?
Diana me abraçou com cuidado, preservando meu rosto, que ainda doía um pouco. Me beijou a boca com cuidado, e foi então que percebi que meus lábios estavam bastante inchados. Na sequência, me perguntou se eu achava que tinha condições de ouvir tudo o que aconteceu nas 24 horas em que dormi desde que fui agredido. Respondi que sim.
- Então vamos lá. – disse ela. – Eu estava voltando pra casa do hospital quando vi, a duas quadras de distância, Fábio e Antonia correndo juntos. Pressenti que algo de muito ruim pudesse ter acontecido. Pensei em ir atrás deles, mas pensei primeiro em você. Pensei no que podia ter acontecido com você. Mas nem no meu pior pesadelo imaginei ver o que vi quando entrei no seu apartamento. O porteiro estava ao seu lado. Seu rosto estava muito vermelho e ensanguentado; achei que você tivesse quebrado o nariz, o que, por um milagre, não aconteceu. Já tiramos o raio X e te garanto que está tudo bem. Aliás, fizemos todos os exames e não tem nada quebrado aí, mas você precisa ficar em observação. As pancadas na cabeça foram fortes.
Chorei um pouco. Diana segurou minha mão. Ela era firme nas palavras, mas usava seus cinco sentidos para me envolver em uma aura de proteção que me fazia sentir confortável. Foi então que continuou.
- Eu não perdi tempo, Érico. Enquanto o SAMU estava te preparando ainda no apartamento, liguei para a polícia e disse que Fábio estava na cidade e que tinha te agredido. Conversei com o porteiro e descobri que o prédio tem uma câmera pequena na recepção. Ele não estava lá na hora em que eles entraram e, provavelmente Antonia ainda tivesse uma chave da portaria central. A polícia já tem as imagens deles dois entrando e depois saindo apressadamente do prédio, o que coincide com o horário em que você foi agredido. Além disso, o inspetor me disse que também conseguiram imagens de um prédio próximo do dia em que ele me jogou do carro. Não têm muita qualidade e são meio de longe, mas já foi o suficiente.
- Suficiente? – perguntei
- Fábio está preso, Érico. Pelo menos por enquanto. Não vai mais machucar ninguém aqui desse quarto.
Fiquei um pouco aliviado, mas apesar do absurdo de Antonia, fiquei preocupado com ela.
- E Antonia... – perguntei – onde está?
- Ela não tem antecedentes e não houve flagrante. Vai ser intimada ainda.
Fiquei sem saber o que desejar. Antes que pudesse comentar qualquer coisa, Diana concluiu.
- Ela está com Toni. Eu sei onde ela mora. Agora que você acordou, eu vou lá buscar.
Fiquei assustado e tentei intervir, não sabia mais o que pensar a respeito de Antonia, mas quando o perfume de flores tomava uma decisão, simplesmente se deixava espalhar pelo vento.
- Eu prometi que tudo ficaria bem. – disse Diana. – Toni é o seu maior companheiro. Eu vou buscar ele pra você.
Diana fez uma pequena pausa e, numa das raras vezes em que a senti assim, respondeu com a voz embargada:
- Eu não volto sem ele, Érico. Isso tudo foi longe demais.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora