O soco foi forte. Bem mais do que eu poderia imaginar.
Quando tentava me recuperar e começar a falar de novo, senti o rosto ferver com outro soco descomunalmente pesado. Fiquei um pouco perdido, entre o desmaio e a lucidez, quando um último golpe me fez desacordar por alguns instantes. Ao recuperar a consciência, ouvi claramente a voz de Antonia falar:
- Não posso me culpar. Ele merecia isso. Ele mentiu pra mim.
Antonia falava e chorava, no que parecia ser o ódio e o arrependimento travando uma batalha ainda maior do que a que se estabelecia dentro do meu apartamento.
Toni estava ao meu lado, ofegando e latindo num desespero que nunca tinha visto.
Antes de perceber que mais alguém estava na sala, tentei argumentar mais uma vez:
- Antonia... por que isso? – minha mandíbula doía como nunca. - Eu nunca menti pra você. Sempre falei que estava confuso, mas que queria tentar. Eu tentei. Mas você sabe que sempre estive perdido em tantos sentimentos...
Ela estava fora de si. Eu podia notar pelo tom gutural de sua respiração. Respondeu com agressividade:
- Ah, estava perdido? Pois agora sim eu vou te deixar perdido.
Ao dizer isso, se aproximou e puxou Toni para longe de mim. Meu amigo latiu muito, mas parecia não conseguir se desvencilhar de tudo aquilo. Eu estranhava o fato de Antonia ter tanta força. Eu já tinha estado com ela e conhecia seu corpo. Embora não pudesse ver, eu tinha uma ideia. Junto com esse pensamento, sentia o desespero de perceber que uma pessoa em quem eu tanto confiei em um momento decisivo da minha vida estava tomada de tanto ódio que era capaz de transmiti-lo fisicamente e, ainda, levar o cão que não era somente meu amigo, mas meu guia.
Antonia ainda chorava um pouco, mas parecia estar mais calma. Por dentro, eu estava muito assustado, mas alguma lucidez ainda me restava para saber que eu não podia agir da mesma forma que ela agia se quisesse ter meu amigo de volta. Ensaiei levantar para tentar conversar e pedir com jeito para que ela deixasse Toni comigo, mas minha cabeça ainda doía muito e não consegui. Já ouvia os latidos de Toni do lado de fora do apartamento. Gritei por uma reconsideração. Eu entendia a raiva de Antonia por ter sido rejeitada, mas também entendia que aquilo já ia longe demais:
- Antonia... ele é tudo o que eu tenho...
Foi quando uma voz masculina velha conhecida parou ao meu lado para dizer:
- Deve ser horrível não enxergar, não é mesmo, fura-olho?
Era Fábio. Antonia tinha trazido Fábio para dentro da minha casa. Sem coragem para me agredir com mais do que palavras, ela chamou alguém para fazer isso por ela. Naquele momento, minha decepção com Antonia era tão grande que eu sequer me lembrei que Fábio era a pessoa que tinha jogado Diana para fora de um carro. Incrédulo com essa situação, consegui me sentar e reunir alguma força para dizer:
- Isso é sério, Antonia? Você chamou ele para me agredir dentro da minha casa?
Eu ainda estava um pouco tonto, mas agora entendia de onde vinha a força dos socos que levei. Foi Antonia que, ignorando minha pergunta, se reportou a Fábio me entregando de bandeja o que realmente estava acontecendo ali:
- Eu disse só um susto, Fábio... olha o que você fez... – e recomeçou a chorar.
- Não é só você que sente raiva dele, loirinha. – respondeu Fábio – eu tenho motivos de sobra pra quebrar a cara dele. – concluiu.
Toni latia sem parar. Eu não conseguia dizer nada. Minha cabeça pesava.
- Agora já chega! – disse ela entre soluços – vamos embora antes que alguém apareça!
- Eu mereço mais um pouco de glória. – disse Fábio.
A última coisa de que me lembro é de Antônia dizendo um enfático “Não!”.
Um último golpe surdo me atingiu a cabeça e eu apaguei definitivamente.
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Dias que eu não vi
RomanceLIVRO NA LONGLIST DO WATTYS 2018 Érico é um chef de cozinha deficiente visual que sempre lutou com muita determinação para alcançar seus objetivos, até que Diana entra em sua vida com um amor fulminante que o transforma. A história é narrada pelo pr...