Eu já me preparava para o pior. Aqueles segundos que passavam pareciam horas. Para tentar me sentir melhor, respirei fundo e prendi a respiração. No exato momento em que ouvi a arma engatilhar e apertei meus olhos, ouvi um rosnado demoníaco invadir a sala e levar Fábio ao chão com violência.
Toni.
Eu não podia ver, é claro, mas nunca antes tinha ouvido Toni transtornado de tal forma. Eu seguia abraçado em Diana porque não sabia o que estava acontecendo direito, meu cérebro simplesmente desligou de todos os pensamentos e tentava focar somente na voz de Fábio. Diana se desvencilhou de mim e correu. Toni parou de latir, exausto, e correu para mim. Lambeu-me as faces e eu o abracei como nunca antes. O cão-guia que salvava minha vida todos os dias, dessa vez tinha se superado. Diana não me dirigia a palavra. Estava muito assustada mas a firmeza que lhe era característica já a fazia tomar providências.
- Oi, Jane? Jane, sou eu, Diana. Manda uma ambulância aqui pro apartamento do Érico. É urgente. O Fábio está aqui. O cachorro atacou ele. A situação é bem complicada. Está bem. A gente aguarda.
A ligação seguinte foi para a polícia. Enquanto falava, ouvi Diana tirar a arma de perto de Fábio arrastando com o pé e afastando-a até o outro extremo do apartamento para garantir que, caso ele acordasse, não tivesse mais um ímpeto. Ela estava decidida a não transformá-lo em um assassino.
Toni chorava em meu colo. Na sequência, Diana sussurrou em meu ouvido:
- Ele está muito machucado, Érico. Muito. Mas eu tomei o pulso dele e isso segue firme, o que quer dizer que ele está só desmaiado mesmo. Por isso afastei a arma até a sacada praticamente. Se ele acordar, não vai ter forças pra ir até lá. Estamos seguros agora. A ambulância e a polícia já estão chegando. Eu não tenho nenhum material comigo para prestar os primeiros socorros, mas acho que ele vai ficar bem. O pessoal já está a caminho.
Diana me abraçou. Eu não dizia nada.
A polícia e a ambulância chegaram juntas. Enquanto os enfermeiros prestavam os primeiros socorros com os equipamentos que Diana não tinha, os policiais tomavam nota de tudo o que ela dizia. Eu seguia me sentindo um covarde, mas estava muito assustado. Meu corpo parecia ter corrido uma maratona. Estava cansado.
A ambulância levou Fábio para o hospital. Diana e eu fomos com a polícia até a delegacia. Eu já começava a voltar do universo paralelo. Na delegacia, relatamos tudo novamente.
Voltamos para casa e Diana e eu tivemos uma conversa truncada.
- Eu não sei o que faria se tivesse acontecido qualquer coisa com você, Diana.
- Nem eu, Érico. Meu Deus, eu achei que isso já tinha chegado ao limite quando Antonia e ele estiveram aqui pra bater em você. Nunca poderia imaginar que chegaria a esse ponto.
- Você parecia tão calma, Diana... como faz isso?
- Pra ser enfermeira a gente tem que aprender a engolir o medo e tentar manter a calma. Isso ajudou muito. Eu já vi coisas muito feias, Érico. Muito mesmo. Nesse caso, eu estava morrendo de medo, mas precisava tentar passar calma pra ele. E isso veio automaticamente, como quando chega uma emergência no hospital. Graças a Deus. Você não pode ver isso, mas, agora sim, eu estou tremendo.
- Entendi. – completei. Tentei aproveitar a situação para consertar toda a confusão feita antes mesmo da presença de Fábio. – Veja bem, Diana, depois de tudo isso que aconteceu... o que eu mais queria era consertar o que aconteceu ontem...
Diana estava defensiva.
- Olha, Érico. Não tem nada pra consertar. Eu já disse que vou estar com você durante toda a cirurgia e todo o resto. Mas eu preciso pensar. Eu te amo muito, confirmei isso hoje, mas ainda estou magoada com tudo o que aconteceu. Pode ser bobagem, pode ser uma mágoa infantil, eu sei. Mas deixa o tempo me ajudar. Não coloca essa pressão sobre mim, por favor.
No dia seguinte, Diana foi para o hospital. Eu passei o dia alternando o pensamento entre o trauma do dia anterior e a cirurgia que aconteceria em três dias. Na volta, Diana evitou falar sobre nós dois. A cada momento que passava, eu sentia que aquela mágoa por minha omissão podia estar se esvaindo, mas respeitei o pedido dela e parei de forçar um perdão.
Ela me relatou algo forte que aconteceu no hospital e eu apenas prestei atenção.
- Fábio pediu por mim, Érico. Queria falar comigo.
- E você foi? – perguntei eu. – Que absurdo!
- Pelo menos estou sendo honesta com você e contando a história inteira, não?
Foi o suficiente para me calar.
- Eu não aceitei falar com ele. Mas permiti quando a colega que o atendeu me disse que ele gostaria pelo menos de gravar uma mensagem. Fiquei curiosa porque dentro de mim ainda não fecha essa história de ter vivido tanto tempo com alguém que pôde se transformar tanto. Minha colega gravou o áudio no próprio celular, porque, apesar de tudo, tinha algum apreço por ele do tempo em que trabalhou como médico no hospital. Eu trouxe isso pra casa pra ouvir com você.
Eu apenas consenti. Diana localizou a mensagem e apertou o play:
- Diana, eu não espero que você me perdoe. Mas espero, pelo menos que não me demonize. Eu nunca te falei, mas minha criação foi absurdamente machista. Eu aprendi que não devia chorar. Eu aprendi que não devia aceitar nenhuma ofensa pessoal. Eu aprendi a responder a frustração com violência. Foi o que fiz até aqui. Eu só hesitei pra atirar em você e Érico porque eu vi o medo no seu olhar. Foi o tempo necessário pro cachorro me atacar. Meu comportamento, desde que percebi que você não me amava mais, foi puramente automático. Algo que aprendi e ouvi todos os dias desde criança. Você pode não acreditar mas, agora, aqui, machucado, eu tive um pouco de tempo pra pensar nas razões de tudo isso. Queria que você soubesse. Não se preocupe. Agora eu não saio tão cedo da prisão. Sorte pra você.
Difícil mesmo era não acreditar que essa mensagem era sincera. Só que se tratando de Fábio, toda desconfiança era bem-vinda.
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Dias que eu não vi
Roman d'amourLIVRO NA LONGLIST DO WATTYS 2018 Érico é um chef de cozinha deficiente visual que sempre lutou com muita determinação para alcançar seus objetivos, até que Diana entra em sua vida com um amor fulminante que o transforma. A história é narrada pelo pr...