Capítulo 4 - De volta

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Voltei para a cozinha atônito. Menos com a situação, mais comigo mesmo por ter sentido algo tão forte tão rápido e ter me deixado levar por um sentimento sem ao menos ponderar que algo óbvio como aquilo pudesse acontecer. Me culpava por ter perdido o controle de mim mesmo assim tão de repente. Logo eu, sempre tão pé no chão.
O cheiro dela parecia colado do lado de dentro das minhas narinas e oxigenava meu cérebro. Usei a razão, meu maior patrimônio, para verbalizar a mim mesmo que não mais deixaria coisas assim acontecerem.
A verdade é que meu coração estava partido, mas eu jamais admitiria publicamente. Só eu precisava saber disso.
Ao sair do restaurante, Antonia usou a liberdade verbal na mesma intensidade física do abraço inesperado que lhe desferi na chegada. Parecia preocupada comigo:
- Onde está aquela alegria da chegada? – perguntou
- Ficou na cozinha. – respondi, secamente.
- Posso caminhar um pouco contigo? – perguntou.
Percebendo a grosseria prévia, me desculpei com um "é claro".
Eram quase duas da manhã, Toni caminhava tranquilo e Antonia ia logo ao meu lado. É engraçado. Trabalhávamos juntos há quase três anos e nossos assuntos sempre foram trivialidades como política, comida – é claro, e até mesmo futebol. Eu sabia muito pouco sobre sua vida, embora a conhecesse bem pela gentileza com os clientes. Caminhávamos em silêncio, mas meu coração fazia barulho pensando em Diana com Fábio. Eu nunca mais esqueceria o nome dele. Meu coração revolvia um ciúme estúpido e infundado enquanto minha mente parecia incrédula com meu próprio comportamento. Antonia quebrou o silêncio.
- Sabe, eu sempre fico olhando você sair sozinho do restaurante com seu cão-guia e fico pensando o quanto você é um cara incrível. Se eu te conhecesse hoje, jamais passaria pela minha cabeça que não pode ver.
Esse tipo de comentário me tirava do sério. Naquele dia, então, foi a gota d'água. Qualquer menção a uma superioridade ou inferioridade por conta da minha condição me deixava irado. Parei de súbito, me virei em sua direção e disse, firme:
- Eu não preciso da sua admiração. Eu não preciso da sua compaixão.
Senti que ela ofegou, nervosa, culpando-se por ter invadido um terreno de intimidade que ainda não existia entre nós.
- Caramba, Érico, me desculpa. Eu nunca quis dizer que...
- Até amanhã, Antonia. – interrompi.
Senti que os passos ao meu lado pararam enquanto eu prosseguia minha caminhada. Ouvi um choro contido, mas estava com raiva e não quis voltar naquele momento para me desculpar.
O dia tinha sido, oficialmente, um desastre.
Em casa, chorei até dormir, sem saber como a minha vida podia ter virado de cabeça pra baixo tão rápido.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora