Capítulo 39 - A luz no fim do túnel

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Estava eu em um campo florido. Eu sentia o perfume das flores, muito parecido com o de Diana, mas ela não estava lá. Eu sabia que eram flores porque estava sentado entre elas e pouco a pouco elas roçavam meu braço.
De repente, uma voz conhecida chegou a meus ouvidos. Como eu poderia não reconhecer?
Dona Alice, minha mãe, me chamava pelo nome com certa insistência. Tinha uma voz de choro. Eu me levantei e corri em sua direção. Não havia apoio algum e, assim, é claro que eu tropecei em uma pedra e caí com o rosto no chão. Senti a terra perto de meu nariz. Ouvi passos correndo. Minha mãe vinha me salvar. Eu chorei.
Dona Alice tomou minha face entre as mãos e perguntou se eu estava bem. Mais tranquilo, respondi que sim. Ela, então, começou a falar:
- Meu filho, por que você nunca mais me deu notícias suas depois de nosso último encontro? Fiquei tão preocupada com você... parecia sempre tão tenso... Você finge bem, mas eu sou sua mãe. Eu sei quando você está com problemas. Eu já sei que você foi agredido. Eu já sei que você foi fazer uma cirurgia para reverter a cegueira. Eu já sei de tudo, meu filho... por que você não me deixou fazer parte disso? Por que eu não pude te acompanhar no momento em que você decidiu que tentaria procurar um bom médico? Você sabia que o maior sonho da minha vida era te ver enxergar, Érico? Eu nunca me conformei com você se recusando a procurar um novo oftalmologista agora que tinha mais condições... mas toda vez que tentei tocar no assunto você me pedia para não falar sobre isso... Érico... por que não divide mais sua vida comigo há quase um ano? O que foi que aconteceu com meu menino?
Minha mãe não parava de fazer perguntas, mas eu não conseguia falar. Não conseguia sequer ganir ou emitir qualquer som. Minha voz estava seca. Eu chorei. Me arrependi por ter duvidado da importância de minha mãe em todo o processo. Um dia depois de ter caído na rua e ter conhecido Diana eu almocei com ela. Depois disso, nunca mais. Eu não queria que ela ficasse preocupada com tudo que estava acontecendo. Eu não queria que ela me pressionasse. Eu quis me afastar e, por isso, atendi poucas de suas ligações. Muito preocupado em cuidar da minha vida, esqueci de dar atenção àquela que me concedeu a existência.
A voz de minha mãe fazendo perguntas foi ficando cada vez mais distante, mas as perguntas jamais paravam. Me sentia triste, angustiado com tudo aquilo. Arrependido por não tê-la incluído em minha vida por julgar que tudo que estava acontecendo era demais para ela. Quando a voz já estava muito distante, eu ouvi um inaudível “eu te amo, filho”.
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Foi então que despertei.
Não conseguia me lembrar onde estava. Tampouco me lembrava o que tinha acabado de sonhar, só sabia que era algo muito angustiante. Por não saber do que se tratava, em pouco tempo respirei fundo e, gradualmente, a angústia foi embora. Eu estava um pouco tonto, tinha a sensação de estar em casa. Procurei com as mãos por Diana, mas ela não estava ali. Estranhei a cama de solteiro. Estranhei as geladas grades que estavam ao seu redor.
Foi então que me situei. Eu ainda estava no hospital.
De tão tonto, não percebi que ainda não tinha aberto completamente os olhos e, ansioso, levantei as pálpebras rapidamente. Foi então que uma frustração gigantesca me tomou.
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Tudo estava como antes. Tudo escuro. Nem um vestígio de algo que fosse diferente do que vivi em toda a minha vida. Em silêncio, e consciente do que tinha acontecido, comecei a chorar.
Depois de algumas lágrimas grossas rolarem por meu rosto, percebi algo diferente. Algo tinha mudado um pouco à minha frente. Era algo diferente do que eu estava acostumado. Eu não sabia explicar do que se tratava, mas tive a sensação de deveria andar. Andar para ver o que acontecia. Sem pensar duas vezes, arranquei os tubos que me mantinham preso à cama e comecei a dar passos leves na direção daquele fenômeno. A cada passo dado, eu tinha a impressão de que aquilo ficava maior. Quando aquela sensação estranha parecia maior do que nunca, ergui as mãos para tentar tocar. Quando estava erguendo as mãos, senti uma nova mudança no cenário. Outras coisas estavam sobre o que eu sentia. Achei que estava delirando, mas continuei a tatear tentando encontrar algo. O curioso é que eu percebia que o movimento que minhas mãos faziam procurando parecia sincronizado com aquela sensação. Parecia que era a mesma coisa. Foi então que toquei algo. Era uma janela com persianas, reconheci pelo tato. Procurei a estrutura para subi-la e, quando consegui, algo muito forte me fez doer os olhos. Larguei tudo imediatamente e senti meus olhos descansarem novamente. Definitivamente, não era a mesma coisa de antes. Pus as mãos no rosto para me proteger. A escuridão voltou. Eu começava a voltar a mim. Meu cérebro parecia começar a conectar algumas coisas que eu não podia acreditar. Repeti o gesto de afastar e colocar novamente a mão no rosto. Foi então que comecei a entender a dinâmica. Como último teste, entrelacei os dedos e, aqui, nasceu uma memória que eu jamais esqueceria.
Aos poucos, eu comecei a entender o que era um movimento. Aos poucos, eu comecei a entender que aquele fenômeno tão impressionante aos meus olhos era a textura de meus dedos entrelaçando as duas mãos. Aos poucos, eu comecei a entender que aquela dor nos olhos era luz. Eu entendi que eu me aproximei de uma janela.
Finalmente, eu entendi que eu podia ver.
Foi então que a voz mais linda e melodiosa que eu já conhecera na vida chamou meu nome e eu me virei em sua direção. Foi a primeira vez que eu vi um corpo humano. Diana começou a chorar e agradecer a todas as divindades existentes por eu não ter morrido. Eu não prestei atenção em nada. Só segui andando na direção daquela coisa tão linda e inexplicável pra mim. Me aproximei e levantei minhas mãos (que agora eu já conhecia), para tocar aquilo que estava em minha frente. Imediatamente, reconheci seu rosto, seus cabelos volumosos que formavam cachos tão perfeitos, sua boca que tantas vezes beijei (e que agora podia entender como era verdadeiramente linda). Nem no meu sonho mais lindo ou no meu devaneio mais louco eu poderia imaginar que um corpo humano pudesse ser algo tão bonito. Mas Diana transcendia qualquer explicação. Era, literalmente, a coisa mais linda que eu já tinha visto na vida.
Diana já tinha parado de falar há alguns instantes e me perguntou: meu amor... o que você tem?
- Diana...
- Fala comigo, Érico... você está bem?
- Diana... eu posso te ver...
- O... o quê? - Disse ela, sorrindo.
- Eu te sinto e te vejo linda, meu amor.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora