Capítulo 23 - O que eu li com as mãos

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Me preocupei com a informação de Diana. Fábio, o covarde, podia estar em qualquer lugar, preparando coisa pior. Imediatamente perguntei:
- E pra onde você vai agora?
- Ah, pra casa daqueles parentes que te falei. Já falei com eles até.
Eu percebia a insegurança em sua voz. Ela não tinha ninguém na cidade e não queria voltar para o interior com os pais para enfrentar mil perguntas sobre aquela situação.
- Diana, você sabe que pode vir pra cá. Por favor. Venha pra cá. – disse eu.
- Sua namorada não vai gostar disso, Érico. – disse ela.
Eu me sentia confuso. Precisava falar com Antonia. Precisava acolher Diana. Meu coração pulava para todos os lados. Mas insisti:
- Eu estou resolvendo isso. Venha. Eu garanto que vai ficar tudo bem.
Diana era dura na queda, mas ao final, cedeu. A moça do perfume de flores estava vindo para a minha casa. O perfume estaria ao meu lado o tempo inteiro. Eu sabia que isso seria a minha perdição, mas fiz o que pude para acionar minha razão.
Decidi que usaria toda a força de vontade da qual eu me orgulhava tanto para não permitir que acontecesse nada entre nós enquanto as coisas não estivessem resolvidas com Antonia. Quando Diana chegou, eu estava tentando pela ducentésima vez falar com Antonia. Eu precisava saber se ela estava bem, dentro do que era possível. A falta de notícias dela estava me enlouquecendo. Antonia não me atendeu. Deixei alguns recados em sua caixa postal. Nenhum foi retornado. Eu a recebi com o máximo de indiferença que consegui. O perfume, a voz, tudo tinha um magnetismo perfeito que me puxava para perto, mas eu lutava bravamente e mantinha uma casca de proteção contra ela.
Mostrei onde era o quarto de hóspedes, e disse que se ela precisasse de qualquer coisa, poderia me chamar. Diana foi firme.
- É só por uns dias, Érico. Só até eu me organizar. Você nem vai me ver aqui. Venho só pra dormir e vou trabalhar. Obrigada por me acolher.
Havia uma frieza em nossa conversa que em nada lembrava a sintonia da conversa de mãos dadas no hospital. O medo de ressuscitar o assunto da noite anterior era enorme. Nenhum de nós dois sabia como lidar com aquilo tudo. Era algo complexo. Ela não se sentia à vontade. Eu não me sentia à vontade. De toda forma, o contrato inconsciente de conviver na mesma casa sem muito contato parecia funcionar. Antes de qualquer conversa para iniciar uma história, eu precisava dar um destino digno à minha com Antonia. E ela não me respondia.
Passou-se uma semana desde o ocorrido. Diana saía pela manhã e chegava à noite, às vezes saía à noite e chegava pela manhã, e nossos desencontros eram frequentes. Eu perguntava sempre que possível se a polícia tinha alguma notícia do paradeiro de Fábio, mas a resposta foi sempre a mesma: ele sumiu do mapa. Aguentava com firmeza a tentação de me aproximar do perfume de flores, da voz musicada, dos lábios ternos.
Em uma tarde, antes de ir ao restaurante, recebi uma correspondência em braille. Vinha da Itália. Era breve, mas direta.
- Você foi a maior decepção da minha vida, Érico. Não quero mais te ver. Estou bem. Antonia.
Com certeza, Antonia tinha entendido tudo errado e imaginara tudo o que se poderia imaginar em uma situação como essa. Aquela mensagem curta me arrasou. Liguei para o restaurante e disse que não iria naquela noite. Era a primeira vez que isso acontecia em toda a minha carreira.
Meu peito estava partido ao meio. Decepcionar Antonia nunca foi minha intenção. Magoá-la doía com sinceridade em todo o meu ser. Mas a dor era compensada através de um alívio por ter dito a verdade e por, finalmente, poder conversar com Diana sinceramente.
Algumas horas depois, o perfume de flores invadiu minha casa. Como sempre, ela já tinha jantado fora e só me desejou boa noite, dizendo que se recolheria pra não me incomodar. Não perguntou por que não fui ao restaurante.
A maior paixão da minha vida estava na minha casa há sete dias, mas não tivemos nenhuma conversa sincera. Ainda que parte do peito doesse por Antonia, outra parte sabia que era hora de mudar o curso das coisas. Antes de ouvi-la fechar a porta do quarto, disse:
- Nós já podemos conversar. Não existe mais nada entre Antonia e eu.
Diana respondeu com uma pergunta:
- Isso é sério?
- Muito. – respondi.
Ela pegou uma cadeira e sentou à minha frente. Suspirou.
E ali nasceu a conversa que mudou nossas vidas.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora