Capítulo 33 - Confiar?

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Aquela mensagem só podia ser brincadeira. Depois de tudo que me fez, Antonia querer que eu não fizesse a cirurgia era uma afronta direta. Sempre me reservei o direito de tentar conciliar as situações, mas aquilo já tinha ido longe demais. Localizei o botão de áudio de meu celular através da película adaptada e gravei um áudio direto:
- Sinceramente, eu não consigo entender como você ainda tem a capacidade de falar comigo. Eu nem sei por que ainda tenho seu número, Antonia. Eu poderia dizer muito mais coisas aqui, mas prefiro fazer uma pergunta: o que me faria acreditar que você tem razão?
Enviei o áudio imediatamente. Em poucos minutos, a resposta veio e eu, incrédulo, apertei o play:
- Eu sei que não tenho mais muito crédito com você, Érico, e por isso mesmo não comecei esse áudio pedindo desculpas ou nada disso. Eu só estou tentando dizer algo sensato e me senti na obrigação de fazer isso. Se é isso que você quer fazer, vá em frente, mas eu faria uma pequena reflexão apenas: quando você estava comigo, tinha milhares de ressalvas sobre assuntos como esse. Com Diana, você confiou de primeira. Há quanto tempo você a conhece? Como pode ter tanta certeza de que poderia deixar sua vida nas mãos dela e das pessoas que ela conhece? Quem te garante que ela não tem um conluio com esse oftalmologista e quer te usar somente como cobaia de um tratamento experimental? Eu conheço esse tipo de gente, Érico. Se Diana realmente amasse você como diz, ela teria casado com Fábio? Por que toda essa confusão? Enfim. Só peço que pense. Não entregue a sua vida nas mãos dela. Não faça essa cirurgia sem um mínimo a mais de informações.
Não sei medir o quanto todas aquelas palavras me ofendiam. Ao mesmo tempo, senti voltar uma sensação estranha que remetia a quando tudo começou. Aquela sensação estranha de estar perdendo o controle diante de um sentimento que era maior que eu. Quantas vezes, no início da minha paixão por Diana, achei que estava ficando doido. De fato, desde que minha vida com Diana tinha se encaminhado, eu nunca mais tive medo de me entregar e confiei nela totalmente. Os pensamentos conflitavam. Diana tinha cansado de me dar demonstrações de que realmente me amava. Mas, mesmo dentro de sua loucura, Antonia dizia coisas que mexiam comigo por fazer algum sentido. Eu realmente não conhecia Diana há tanto tempo e, numa vida cheia de desconfianças, como era a minha, eu não costumava deixar alguém entrar tão fundo nos meus medos e inseguranças ou mexer tanto em coisas que eram minhas.
Tive medo.
Não queria confiar em Antonia. Confiava em Diana. Mas os argumentos começavam a se misturar e me confundir.
Sentei no sofá. Toni se aproximou. Abracei ele e decidi conversar com meu mais velho amigo.
- Amigão... que difícil tudo isso.
Toni simplesmente se deitou sobre meu colo aninhando a cabeça em minhas pernas. Nossa ligação era impressionante. Ali, sozinho e confuso, tive uma ideia que parecia resolver minha angústia. Pensei que poderia resolver toda essa situação indo a algum outro oftalmologista sem Diana. Assim, eu poderia ter uma segunda opinião e ter toda a segurança que precisava para os próximos passos. Eu já não tinha mais tanto medo de médicos e achei que fosse capaz de fazer isso sozinho.
Lembrei de um de meus subordinados no restaurante que tinha um irmão oftalmologista. Em vários momentos ele me ofereceu uma consulta grátis, mas eu encerrava o assunto na primeira abordagem. Era hora de usar esse contato. Naquela noite, no restaurante, peguei o telefone do irmão oftalmo e guardei com cuidado no bolso da calça.
Eu não me sentia bem mentindo para Diana, mas com o passar das horas, a dúvida plantada por Antonia parecia ferver a minha cabeça. Mesmo tarde da noite, telefonei ao profissional e expliquei que gostaria de uma segunda opinião. Ele marcou a consulta para a segunda-feira pela manhã mesmo.
Voltei para casa com Toni e Diana me esperava alegre na cozinha, preparando um jantar de início de fim de semana às 2h da manhã de um sábado. Ela conversava alegremente sobre seu dia de trabalho, sobre as pessoas que atendeu, mas minha cabeça estava longe. Eu fugia desse pensamento, mas ao chegar ao outro extremo, batia de frente com as palavras tão incisivas de Antonia. Eu não podia confiar numa mulher que chamou alguém para me agredir. Mas eu também sentia que precisava recuperar minha autonomia não delegando as decisões da minha vida a um amor que eu conhecia há menos de um ano.
- Ei, o que você acha? – perguntou Diana.
- Acho do quê? – perguntei
- Eita... onde você estava? Estou há minutos te contando sobre essa especialização que quero fazer depois da formatura no ano que vem... você não ouviu nada?
Pedi desculpas e disse que tinha sido um dia duro no restaurante. Não era verdade. Era a dúvida que me corroía.
O fim de semana foi horrível. Diana me perguntava o que eu tinha e eu mentia que era preocupação com a cirurgia. O clima era pesado. Eu sabia que ela sabia que havia algo errado.
Na segunda pela manhã, Diana foi chamada às pressas para uma emergência no hospital. Eu já me preparava para a consulta secreta. Ela se despediu apressada e bateu a porta. Por algum motivo, eu quis ouvir uma última vez o áudio de Antonia.
“Quem te garante que ela não tem um conluio com esse oftalmologista e quer te usar somente como cobaia de um tratamento experimental?”
Nesse instante, a porta se abriu com uma enfermeira que esqueceu o jaleco e parecia ter perdido o chão.
- É sério, Érico? Eu te perguntei mil vezes se você queria uma segunda opinião e você disse que não. Foi preciso que ela te envenenasse pra você ficar em dúvida?
Antes que eu pudesse parar o áudio ou tentar conversar, Diana bateu a porta chorando e seguiu para o hospital. Eu me senti em frangalhos. Ainda assim, uma consulta me esperava. Limpei as lágrimas, respirei fundo, e fui tomar as rédeas da minha vida.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora